O PAPEL DO JORNALISMO CULTURAL NA PRESERVAÇÃO DA CASA D’ITÁLIA

Há matérias no caderno esportivo, a respeito do time de bocha. Há também matérias de agenda cultural, como a exposição “Più Bella”, que reuniu trabalhos de oito artistas do grupo PulsArtes em 2019, para comemorar os 80 anos da Casa D’Italia. Contudo, uma rápida pesquisa no site do jornal Tribuna de Minas, o principal veículo impresso de notícias da cidade, mostra mesmo que o que mobilizou a imprensa juiz-forana a respeito desse espaço foi o anúncio do leilão do imóvel pelo consulado italiano no ano passado, seguido de todos os desdobramentos do caso, como a forte mobilização contrária, até o consequente cancelamento da venda e preservação desse patrimônio arquitetônico e cultural do município. 

Preservação e patrimônio — que me parecem, aqui, palavras-chave — não são minha área de pesquisa acadêmica e há, aqui na equipe Revista Casa D’Italia, integrantes mais aptos a falar dos temas. Tampouco são assuntos recorrentes na minha carreira de 14 anos como jornalista atuante nas áreas de Política e de Educação. Talvez, no entanto, devessem ser. Porque, embora esse papel tenha perdido espaço, sufocado pelo encolhimento dos jornais impressos e pela necessidade de atender às pautas de divulgação de eventos, existe no jornalismo cultural algo que é intrinsecamente político. E educativo também. Mais do que as perguntas “o quê? quem? quando? e onde?”, bases tanto do lead jornalístico — isto é, a abertura da matéria, que deve incluir, em duas ou três frases, as informações essenciais que transmitam ao leitor um resumo completo do fato — quanto de qualquer agenda cultural, é fundamental que nos debrucemos também sobre outras duas questões: “como?” e, sobretudo, “por quê?”. Isso vale para pensar o jornalismo como um todo, mas, em especial, o jornalismo cultural como ator importante na discussão patrimonial e na reflexão (e, por que não dizer, elaboração) de políticas públicas voltadas para a preservação do patrimônio e para a cultura. 

No artigo “Jornalismo Cultural e preservação do patrimônio”, publicado nos anais do Encontro Nacional de História da Mídia, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), os pesquisadores Fernanda Pires Alvarenga Fernandes (que por muitos anos atuou como jornalista do Caderno Dois, de cultura, do jornal Tribuna de Minas) e Teo Salgado Pasquini refletiram sobre um outro caso emblemático na cidade: o da capela do Colégio Stella Matutina. No texto, os autores observaram que “[p]arte da memória da cidade foi modificada ou demolida junto com conjuntos arquitetônicos, legal ou ilegalmente destruídos” e que “[n]oticiadas pela imprensa essas perdas motivaram manifestações dos artistas envolvidos no ideário preservacionista”. Em suas considerações finais, eles também apontaram que “[r]eportagens divulgadas em periódicos como Correio da Mata, Diário da Tarde, Diário Mercantil, Tribuna da Imprensa e Correio do Povo incentivaram, sob o mote da resistência cultural, a construção da cidadania frente à defesa do patrimônio histórico na cidade de Juiz de Fora”. “Ao noticiar e interpretar eventos emblemáticos relacionados à destruição de parte do patrimônio da cidade, a imprensa, através do jornalismo cultural, demonstra ter contribuído para a construção do ideário da defesa dos bens culturais locais, que levou à implementação de uma política de patrimônio cultural”. 

A situação recente a respeito da Casa D’Italia aconteceu em um outro momento histórico e, diferentemente do Colégio Stella e de sua capela, envolveu um imóvel já tombado pelo patrimônio municipal. De todo modo, houve várias mobilizações decisivas para que o leilão fosse suspenso e o espaço dado a elas na imprensa também teve sua importância. Na reportagem “Casa D’Italia: o que contribuiu para a suspensão do leilão”, também da Tribuna de Minas, o jornalista Mauro Morais elencou o clamor popular, o fato de o tema ter sido levado aos debates do 10º Seminário da Imigração Italiana em Minas Gerais e a própria repercussão dada pela mídia. Em entrevista ao repórter, o ex-deputado italiano representante da América do Sul no parlamento por dois mandatos, Fabio Porta, declarou: “Imagino que a intervenção dela [vice-ministra das Relações Exteriores e Cooperação Internacional, Marina Seren] e o papel do subsecretário Merlo [senador italiano e subsecretário de Relações Internacionais da República Italiana, Ricardo Merlo], que foi ativado pela comunidade italiana de Minas e pelo Conselho Geral dos Italianos no Exterior, teve um forte papel ao sinalizar a gravidade da situação. E mesmo a comunidade italiana, que assinou massivamente o abaixo-assinado que circulava nas redes sociais, ajudou bastante. Quero, também, enfatizar o papel da mídia. Tudo isso criou uma grande sensibilização. E quando a comunidade se une em volta de um objetivo e cada um faz a sua parte, os resultados são evidentes. Este não é um sucesso de uma pessoa só, mas de um coletivo que se mobilizou.” 

É claro que há uma via de mão dupla. O valor-notícia se dá porque existe mobilização e a mobilização se amplia — inclusive, neste caso, para além da comunidade italiana, sensibilizando outros grupos e outros atores sociais — porque a imprensa noticia. Todavia, como considerado por Fernanda Fernandes e Teo Pasquini, a imprensa guarda íntima relação com os movimentos de artistas e da comunidade em geral, “não só por noticiar as manifestações, mas por abrir espaço para o debate”. É preciso, entretanto, que esse espaço de interlocução continue sendo aberto. As ações do Departamento de Cultura da Casa D’Italia — e a Revista Casa D’Italia é um desses braços — têm se dado no sentido de um esforço coletivo para assegurar visibilidade e amplitude à importância desse patrimônio cultural em sua totalidade: para a comunidade italiana da cidade, sim, mas para toda a sociedade juiz-forana, com um diálogo amplo e aberto à diversidade. Se a Casa puder contar com a parceria e o interesse do jornalismo cultural de Juiz de Fora para ampliar ainda mais esse alcance, melhor ainda. 


REFERÊNCIAS 

MORAIS, Mauro. Casa DItalia: o que contribuiu para a suspensão do leilão. Publicado no site do jornal Tribuna de Minas em 14 de outubro de 2020. Link de acesso: https://tribunademinas.com.br/noticias/cultura/14-10-2020/casa-ditalia-o-que-contribuiu-para-a-suspensao-do-leilao.html 

FERNANDES, Fernanda Pires Alvarenga; PASQUINI, Teo Salgado. Jornalismo Cultural e preservação do patrimônio: o caso da Capela do Stella. Encontro Nacional de História da Mídia. Link de acesso: http://www.ufrgs.br/alcar/encontros-nacionais-1/encontros-nacionais/7o-encontro-2009-1/Jornalismo%20Cultural%20e%20preservacao%20do%20patrimonio.pdf 


Táscia Souza é doutora em Estudos Literários pela UFJF, jornalista, escritora, atriz e integrante do grupo de tambor mineiro Ingoma.


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