PARTE I – O Silêncio entre músicas

Existe um espaço de tempo entre o final de uma música e início de outra. Às vezes, somos incomodados por propagandas, ou quando, por termos curtido tanto o que ouvimos, perdemos o êxtase quando a música se encerra. O coração desacelera, os pés se aquietam, a nossa feição muda,  a imaginação retorna ao apego da realidade e somos reinseridos no mundo das impossibilidades. Digo isso pois já tive a famigerada experiência de escutar algo e pensar naquilo como trilha sonora de um clipe que a minha vida poderia estrelar.

Quando o silêncio não incomoda, pode gerar expectativa com a próxima canção quando se tem plena consciência da playlist por nós criada ou criada para nós. O que quero dizer é que: sempre existirá uma expectativa nos intervalos, atravessada a risos e prantos, amores e temores, felicidades e infelicidades, enfim, há sempre o que ser esperado no espaço do silêncio, ainda que isso indique estar a deriva em seus próprios pensamentos e reflexões. Silêncio é mais do que uma causa, é condição de auto percepção frente ao muito, frente ao emaranho que é o todo.

O interessante desse espaço é que ele não avisa que está prestes a acontecer ou muito menos acabar; ele apenas se estabelece, e nós nos adaptamos a ele. Há músicas que vão, gradualmente, nos acostumando com o seu fim. Com o uso das escalas corretas, vamos nos aquietando, sossegando e passamos a esperar por esse momento. Há músicas que possuem um estilo meio termo; mas há também as que são opostas: com uma outra proposta, estão dispostas a seguir em volume máximo até o último segundo esgotar. Normalmente, são essas últimas que nos agitam, nos tiram da condição de meros ouvintes contempladores e nos elevam a mesmo passo das notas mais agudas. O fim não é algo gradual nessas: ele é ruptura e mensagem abrupta. É como entregar um alimento e não ensinar a comê-lo; entregar um livro, mas não ensinar a lê-lo; é, ao fim e ao cabo, entregar silêncio a quem estava embalado pelo barulho. Há quem lide bem com o susto que isso significa em comparação com os que andam a passos curtos; há quem goste das músicas que não anunciam o fim. Por isso, esse texto não é uma crítica sobre como se desdobra o final de cada música, relembro: é sobre o silêncio que há entre o fim e o começo.


Gyovana Machado é Cristã, graduanda em História pela UFJF e formada no Seminário Teológico Rhema Brasil. 



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