SOBRE BRUNZUNDANGAS E MITOS

Quem nunca ouviu falar de Os Bruzundangas? Pois então: confesso que sempre desejei profundamente possuí-lo. Num fatídico final de tarde de 2017, retornando a pé do trabalho para casa, entro na primeira livraria que encontro no centro de Juiz de Fora.

Com a cara sisuda, de estudioso da história social da literatura brasileira, dirijo-me à vendedora:

– Por acaso você teria Os Bruzundangas aí?

– Bruzu… o quê, moço? – Risos da vendedora.

Sigo aguerrido na jornada, dirigindo-me ao sebo ao lado: “Por favor, você tem Os Bruzundangas para vender?” Ao que o balconista me responde: “Tem isso aqui não, rapaz!”. Como brasileiro não desiste nunca, perseverei em outra freguesia: “Estou à procura de Os Bruzundangas, senhor! Tem aí?” Mais uma vez, perguntei como se o mundo inteiro tivesse obrigação de conhecer a sátira política que Lima Barreto escreveu sobre o Brasil, lá na Primeira República.

Mais difícil do que encontrar o livro é manter a seriedade ao pronunciar seu título para alguém – sobretudo quando esse alguém desconhece sua existência. Definitivamente, como é difícil ser caçador de bruzundangas nessa vida!

Os Bruzundangas, por favor!

Finalmente acho o que tanto procuro, depois de inúmeras visitas às livrarias e sebos da Manchester Mineira. Efetuo o pagamento. Olho para a estante ao lado e me deparo com o clássico O Grande Mentecapto, de Fernando Sabino, livro que jamais sairá das minhas memórias literárias. Aliás, outra paródia muito pertinente do Brasil.

Contive-me, falando comigo mesmo: “Para com isso! Você precisa economizar! Você já leu este livro! Para que comprá-lo?!” Em poucos segundos, veio-me a ideia de oferecer em troca um exemplar de autoajuda, com que fui presenteado no amigo oculto da família, no Natal passado, que pesava minha mochila.

– Por esse daí não dá para trocar, rapaz, infelizmente. – Respondeu-me o vendedor, interrompendo a conversa empolgada e “gesticulante” que estabelecia com um amigo, sobre os rumos políticos do Brasil.

Desviei o olhar para a estante ao lado do caixa. Percorri os exemplares ali disponíveis, enquanto o vendedor voltava a revelar seus planos para o Brasil: “Mas esse Sérgio Moro é foda mesmo. Está colocando todos os corruptos no paredão. Candidatando-se à presidência, terá meu voto garantido.”

Eis que, de repente, um livro de lombada amarela me chama atenção. Era uma biografia. Não uma biografia qualquer. Tratava-se da biografia de Lula, de autoria de Denise Paraná. Não perdi tempo. Como quem não desiste do jogo até os últimos milésimos do segundo tempo, lancei minha cartada final:

– E por este aqui, amigão, você troca? – Afinal, perguntar não magoa e não custa nada.

– Deixe-me ver… Ah, sim! Claro! – Respondeu resolutamente o vendedor.

Nunca tive vocação e talento para o mundo dos negócios. Afinal de contas, se nós, historiadores, tivéssemos para negociar o mesmo dom que temos para problematizar o mundo, estaríamos todos bilionários. Mas o fato é que, naquele momento, fiquei orgulhoso da minha perspicácia. Por um instante, um lapso de vaidade me fez acreditar cegamente na meritocracia. O vendedor, por sua vez, estampava um suave sorriso no rosto, num misto de satisfação e ironia.

– Valeu, companheiro! Volte sempre!

Tomei o rumo da rua. Senti que, dentro da loja, a prosa voltava animada entre o vendedor e seu fiel interlocutor. Agora, contudo, de forma um pouco mais contida, polida, em tom de voz moderado, como um cochicho ao pé do ouvido. Eu, enquanto isso, concentrava-me em seguir o sentido esquerdo da calçada, em direção à rua Halfeld…


Sérgio Augusto Vicente é Professor de História e historiador. Graduado, mestre e doutorando em História pelo PPGHIS/UFJF. Atualmente, trabalha no Museu Mariano Procópio – Juiz de Fora – MG. Dedica-se a pesquisas relativas ao campo da história social da cultura/literatura, sociabilidades, trajetórias e memórias.


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