DOIS ESTRANHOS

Música suave, diálogo ameno, apartamento descolado, o ar romântico é rompido por um esbarrão na calçada. A chegada do policial Merk com uma abordagem sem justificativa, uso da força, a câmera focada no rosto de Carter só muda de cenário quando ele, enfim, morre.

A associação com o caso George Floyd x Derek Chauvin é inevitável.

Esse é o intuito do premiado filme de Travon Free e Martin Desmond Roe apresenta: uma rotina em que ser negro é o quesito sine qua non para a “presunção de culpa”. São 32 minutos presos em um looping temporal em que o drama ficcional se mostra real.

E se Carter: mudar o dinheiro de lugar? Não tiver dinheiro? Não for embora? Tomar café? Não encostar em alguém? Não importa. Merk sempre o aborda porque: o cigarro não parece cigarro; tem mais dinheiro do que o “normal”; correu; reagiu…

O encontro entre dois estranhos continua sendo marcado por uma arma em punho, gritos de ordem, violência excessiva e… morte!

Nada adianta.

Antecipando ações e reações, Carter chama Merk para uma conversa: é a tentativa de chegar em casa, manter-se vivo. A roda em movimento é a nova cena: Merk no banco da frente e Carter no banco traseiro. O dialogo improvável é a tentativa de criar empatia, vínculo, sensibilização.

Por um instante sou convencido que será diferente. O carro estaciona, é o fim: aperto de mãos, olho no olho. O alívio é rompido por palmas irônicas e gritos de Merk que, com arma em punho e Carter na mira, questiona todo diálogo:

“As vezes, você corre, as vezes você luta quando alguém o estrangula com força…”

Tudo volta do início.

Carter é um que representa muitos, mortos pelo único “crime”: ser negro! Podia ser “só” sobre o EUA, mas é sobre uma chaga mais profunda: RACISMO. Institucionalizado, cria distorções como o “curta” Dois Estranhos evidencia: não importa o motivo, o contexto, as reações… alguns encontros sempre resultarão em tragédias.

No Brasil em que Negros representam 56,7% da população, mas 74,4% das vítimas da violência letal e 66,7% da população carcerária, percebemos que temos o mesmo problema estrutural permeando as relações de poder.

#vidasnegrasimportam


Iverson Silva é professor de História da Rede Pública, Historiador e Escritor.




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