Corporalidades plurais

Meu trabalho tem como base o registro de corporalidades plurais, particularmente por meio da fotografia de populações originárias, mas também de coletivos não indígenas. O objetivo é o de captar momentos, cenas, objetos, expressões, relações e movimentos que expressam corpos em situação local e social. O corpo é o eixo de minha investigação, assim como postula a etnologia indígena brasileira, desde a década de 1970, sobre a potência dos corpos indígenas que não só refletem o socius, não sendo apenas o suporte do social, mas, sim, igual e simultaneamente, produzem a realidade:  

“Ele, o corpo, afirmado ou negado, pintado e perfurado, resguardado ou devorado, tende sempre a ocupar uma posição central na visão que as sociedades indígenas têm da natureza humana. Perguntar-se assim sobre o lugar do corpo é iniciar uma indagação sobre as formas da construção da pessoa” (SEEGER; VIVEIROS DE CASTRO; DA MATTA, p. 4, 1979)  

Tratam-se, assim, de corpos epistêmicos. Posturas, movimentos, adereços, ornamentos, enfeites, objetos e expressões fazem dos mundos algo efetivamente concreto e real.  

O corpo epistêmico é também político. Este ensaio fotográfico em particular registra cenas de mobilizações indígenas recentes, vinculadas ao “Acampamento Luta pela Vida” e a “Marcha das Mulheres Indígenas” que se deram em Brasília entre julho e setembro de 2021, lutando contra o marco temporal, por território, por democracia, bem-estar, por dignidade, pela constituição e pela sustentabilidade do planeta.  

Os territórios indígenas, duramente atacados no contexto atual, são responsáveis por enorme e fundamental quantidade de ambientes preservados no país, por ciclos naturais vitais, como o da água, por exemplo, que garante a todos a possibilidade de uma vida digna, mantendo a biodiversidade dos biomas e conhecimentos inestimáveis para o planeta. A luta indígena remete como sempre à centralidade dos direitos fundamentais para o bem viver e, no caso, para a necessidade básica de respeito aos direitos constitucionais conquistados às duras penas no país.  

As penas inclusive, são centrais nas imagens deste ensaio, que apresenta sobretudo a complexidade destas questões, rompendo com dicotomias como corpo e conhecimento, tradição e contemporâneo, e intensamente, com a dualidade natureza e cultura: “A ciência acadêmica ocidental divide e opõe índio e branco, homem e mundo, sociedade e natureza, corpo e espírito, bem e mal, rico e pobre, gordo e magro, conhecimento tradicional ou popular e conhecimento científico e assim por diante. É necessário a gente entender bem esse tipo de pensamento e, principalmente, ter muito cuidado para não acreditar nele como verdade absoluta. Os conhecimentos e pensamentos indígenas são muito diferentes e não se baseiam nesse dualismo por oposição. Acreditar e seguir indistintamente o pensamento ocidental na escola e na academia pode produzir estragos profundos irreversíveis para os nossos conhecimentos e modos de vida indígena” (LUCIANO BANIWA, 2019, p. 3).  

Por meio da produção de corpos, dos adereços utilizados, das pinturas e cores expressas, do uso de miçangas e penas, de celulares, camisetas de personagens universais de histórias em quadrinho, e também do maracá, instrumento musical central nas filosofias ameríndias, em uma composição entre objetos tradicionais e universais; em cenários históricos como a Praça dos Três Poderes, na frente do Superior Tribunal de Justiça (STF), na Fundação Nacional de Arte (FUNARTE), no Espaço Plínio Marcos e na Praça Índio Galdino, nomeada assim em homenagem à liderança indígena queimada viva por jovens não indígenas; em posturas contemplativas, assertivas, emotivas; em movimentos coletivos corporais e em luta, percebe-se e sente-se a grandeza, a agência e a potência destes corpos epistêmicos.  

A composição das imagens buscou registrar os acontecimentos mencionados e focar especialmente na produção dos corpos. As imagens são trabalhadas em preto e branco, sendo destacada, normalmente, uma outra cor, em uma técnica de apropriação estética das epistemologias indígenas, que normalmente trabalham com uma ou duas cores, intensas e destacadas, como o vermelho do urucum e o preto de jenipapo. O preto e branco predominantes nas imagens apontam para a sensação da transcendência, do momento político e dos corpos epistêmicos, despersonalizando indivíduos e ressaltando o coletivo, base também dos mundos ameríndios. As cores destacadas, como o vermelho, o azul, o amarelo e a cor rosa, emergem, então, ressaltando a potência destes corpos e ressaltando a intensidade e a emergência do momento.

Referências

SEEGER, Anthony; VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo; DA MATTA, Roberto. A construção da pessoa nas sociedades indígenas brasileiras. Boletim do Museu Nacional, Série Antropologia, n. 32, p. 2-19, 1979 *A construção da pessoa nas sociedades indígenas brasileiras (usp.br)

LUCIANO BANIWA, Gersem José dos Santos. Educação para manejo do mundo. Entre a escola ideal e a escola real no Alto Rio Negro. Rio de Janeiro: LACED/Contracapa, 2014. 


Sou Alexandre Herbetta ,professor, pesquisador e fotógrafo. Atuo nos campos da educação intercultural crítica e no da antropologia, especialmente junto aos temas da decolonialidade, da etnologia indígena e da relação entre arte e política. Venho desenvolvendo um trabalho de problematização e construção imagética, vinculado ao campo da fotografia. Neste processo reflito junto a pensadores indígenas e não indígenas sobre a importância das imagens, por meio de textos e, também, buscando produzir imagens com potencial de mobilização. 

Instagram: @aherbetta 


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