O arquivo da cúria de Mariana em perspectiva: uma entrevista sobre cuidado, preservação e memória

Em 2023 pude acessar um dos Arquivos que pairava no meu imaginário ao longo do percurso na pós graduação. É certo que toda construção em torno do acesso presencial a Arquivos também passa pela ânsia pós pandemia de nos conectarmos a esse espaço de muitas histórias. Entre os recortes das vidas vividas, o brilho ou a sombra do que já foi. Pisar em Mariana, cidade do Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana, foi como reencontrar com um lugar que nunca vi. Me misturar à sua paisagem, explorar seus cantos e, acima de tudo, acessar as páginas dos que já estiveram por ali, trouxe a sensação espetacularizada que nunca passa em alguns minutos, mas crava na memória o que vale a pena guardar: encontros e histórias. É, para além de uma experiência pessoal, a história que busco trazer hoje, a história do Diretor do Arquivo, o Padre Leandro Neves. Padre Léo, Padre Lê, são alguns de seus pseudônimos usados por aqueles/as pesquisadores/as que, ao acessarem o Arquivo, encontram um sujeito tranquilo, pacífico, organizado, disciplinado, curioso e de fé. Em uma breve entrevista apresentamos esse universo e buscamos aprofundar na rota cultural mineira, em toda a sua potencialidade de estudo, o Arquivo chamado, também, “Cúria de Mariana”, que possui documentações de períodos longevos e, além de ser uma experiência a quem o acessa, é absolutamente útil às pesquisas que buscam compreender a sociedade mineira colonial (mas não somente) nos termos da vida religiosa. 

ENTREVISTA COM O PE. LEANDRO NEVES, DIRETOR DO ARQUIVO ECLESIÁSTICO DA ARQUIDIOCESE DE MARIANA. 

Gyovana Machado: Nome, idade, formação. Fale sobre sua trajetória até chegar como diretor do Arquivo: 

Pe Leandro Neves: Pe Leandro Ferreira Neves, 37 anos, natural de Ponte Nova, MG. Aos 18 anos ingressei no Seminário São José da Arquidiocese de Mariana, estudando Filosofia e Teologia e sendo ordenado sacerdote em 18 de maio de 2013. Após algumas experiências pastorais nas paróquias de Jequeri e Santa Cruz do Escalvado, fui enviado para estudos em Roma. Na Faculdade de História e Bens Culturais da Igreja, da Pontifícia Universidade Gregoriana, iniciei o mestrado em História da Igreja em 2018. Retornando ao Brasil, no final de 2021, fui nomeado professor de História da Igreja no Instituto de Teologia do Seminário São José e Diretor do Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana – Dom Oscar de Oliveira, em maio de 2022. Fiz também uma especialização em História da Arte Sacra pela Faculdade Dom Luciano Mendes de Almeida. 

GM: Em algum momento você se percebeu um trabalhador da cultura? Se sim, como e quando? 

Pe LN: O meu contato com a cultura se deu principalmente por causa das minhas atividades religiosas. Porém, consciente do grande interesse que a Igreja sempre teve pela cultura e entendendo este campo como uma área própria da evangelização, além de ter bastante gosto pelo assunto, bem cedo sempre procurei me envolver em atividades culturais, principalmente aquelas mais relacionadas à pesquisa histórica e a preservação do patrimônio. Com o exercício de funções dentro da Igreja muito relacionadas com as questões culturais, fui me envolvendo ainda mais e buscando também mais conhecimento para poder atender melhor às responsabilidades a mim confiadas. 

GM: Você acredita que, socialmente, já temos uma arraigada noção de importância e/ou preservação dos arquivos? 

Pe LN: Infelizmente não. Como em várias outras áreas, a noção de importância e preservação dos arquivos não é muito bem entendida e considerada por nossa população. Talvez os arquivos ainda estejam mais prejudicados ainda nesta questão, por representarem um ambiente de menor visibilidade e fruição para a população. Se existe uma certa aversão por coisas “velhas”, tal aversão é ainda mais sentida em relação aos arquivos, considerados por muitos apenas como simples “depósitos de papeis velhos”. Além disso, a preservação, manutenção e organização de arquivos exige um trabalho árduo, minucioso, paciente e bastante dispendioso, o que nem sempre atrai o gosto das pessoas e o investimento das instituições. Ainda há pouco interesse por parte das pessoas e autoridades nas atividades relacionadas aos arquivos e os poucos investimentos são muitas vezes entendidos como gastos desnecessários. 

GM : Sabemos que há uma dedicação e cuidado quanto ao acesso ao Arquivo. Isso, em alguma medida, é lido como problema para quem quer acessá-lo? 

Pe LN : Por se tratar de material precioso e bastante frágil, o acervo documental de um arquivo deve receber não só um tratamento que lhe dê uma organização e condições de acessibilidade e boa conservação como exige um cuidado no manuseio de tais documentos por parte de quem procura acessar as suas informações. É uma medida de segurança e conservação, que muitas vezes é interpretada por algumas pessoas como se fosse uma dificuldade por parte da instituição em permitir o acesso aos documentos. Aquelas pessoas com verdadeira formação e sensibilidade histórica, que entendem a fragilidade e preciosidade do acervo, entendem e acolhem de bom grado as orientações e exigências colocadas para a organização do trabalho e correto acesso aos documentos custodiados no Arquivo. 

GM: Quais os desafios de se manter um Arquivo, sobretudo o Arquivo da Cúria que conta com documentações de períodos longevos? 

Pe LN :Os maiores desafios passam pela organização e conservação dos documentos que são muitos. Como geralmente não dispomos de incentivo financeiro público e toda a atividade do Arquivo é mantida pela Arquidiocese e por uma pequena receita que o próprio Arquivo arrecada através das taxas que cobra sobre alguns serviços, muitas atividades necessárias se tornam inviáveis por seu alto custo financeiro. Restauração de documentos ou mesmo condições adequadas de acondicionamento dos mesmos exigem um alto investimento que nem sempre estamos em condições de realizar. Buscamos sempre a realização de parcerias com o poder público e iniciativas privadas, mas ainda falta o interesse e a sensibilidade por parte de muitos no sentido de patrocinar estas atividades. 

GM: Em sua perspectiva, o que falta para que a noção de preservação e, até mesmo, acesso se fortaleça na sociedade? 

Pe LN :Acredito que falta uma boa formação no sentido de se perceber os arquivos como lugares por excelência da memória e da identidade de um povo, onde as pessoas se reconheçam a partir da história registrada e conservada nos documentos, expressão da atividade de um povo, uma comunidade, um grupo religioso ou uma instituição. Há a necessidade também de incentivo à pesquisa, da busca das próprias raízes e identidade a partir de atividades que tornam mais visíveis o importante trabalho realizado pelos arquivos, envolvendo mais a comunidade. Quando as pessoas compreendem que o bem cultural pertence também a elas, com mais razão elas também compreendem a importância de se valorizar, conservar e preservar. 

GM: Sabe-se que, muito do que temos sobre preservação, surge de uma necessidade de guarda de textos sagrados, em diferentes culturas, para que pudessem atravessar o tempo mantendo sua informação e/ou orientação. Dito isso, em sua opinião e experiência, é possível relacionar a fé e a preservação? Como um homem vocacionado, qual (is) as suas percepções sobre essa relação? 

Pe LN :Para a fé cristã, todas as dimensões do ser humano são importantes e, a partir do mistério da Encarnação de Jesus Cristo, toda a história humana e todos estes aspectos foram assumidos e redimidos por Deus.  Deste modo, tudo que diz respeito ao humano, também sua história e cultura é de interesse da Igreja e da evangelização. É justamente por isso que a Igreja sempre se interessou e se interessa em preservar, promover e salvaguardar a cultura e a história. Assim se pode compreender a relação entre fé e preservação, que tem uma função não apenas “utilitarista”, no sentido de preservar os textos sagrados e referências utilizados para a prática do culto e da fé, num sentido mais estrito, mas como salvaguarda da história da presença da instituição eclesial e suas relações com a sociedade. A Carta Circular: “A função Pastoral dos Arquivos Eclesiásticos”, emitida pela Pontifícia Comissão para os Bens Culturais da Igreja (um organismo da Santa Sé), em 1997, aponta para a necessidade e importância que a Igreja Católica atribui a esta preservação. “Na mens da Igreja os arquivos são lugares da memória das comunidades cristãs e fatores de cultura para a nova evangelização. (…) À inclemência de tantas circunstâncias históricas, que providencialmente não destruíram a memoria dos eventos nas suas grandes linhas, deve então contrapor-se o nosso esforço de tutela e de valorização do material documentário, a fim de o usufruir no hic et nunc (aqui e agora) da Igreja”. 

GM: Baseado em sua experiência, use este espaço para falar sobre como costuma ser a relação do Arquivo com as pesquisas que surgem dele, seja sobre os desafios ou as alegrias do caminho. 

Pe LN: Recebemos no Arquivo Eclesiástico numerosos estudantes e pesquisadores que realizam seus trabalhos de conclusão de curso e outros tipos de pesquisa através de nosso acervo. Procuramos atender a todos e facilitar o máximo possível o acesso aos documentos, até mesmo indicando possíveis caminhos a partir do conhecimento que temos do acervo. É sempre um motivo de muita alegria e satisfação ver os trabalhos concluídos e perceber as inúmeras possibilidades de pesquisas que nosso acervo oferece. Sentimos também da parte dos pesquisadores uma grande satisfação para com o atendimento oferecido, apesar de termos consciência das suas limitações advindas muitas vezes dos poucos recursos que temos a disposição. 

Para maiores informações sobre o Arquivo, consulte o site: https://arqmariana.com.br/arquivo-eclesiastico/ 

Contato:  

Telefone: (31) 3557-2813  E-mail: arq.eclo@arqmariana.com.br 

 


Gyovana Machado é graduada em História/UFJF, mestranda no Programa de pós-graduação na mesma universidade, associada ao Laboratório de História Econômica e Social e pesquisa capelães e capelanias no século XVIII em Minas Gerais. Militante no coletivo EIG (Evangélicas pela Igualdade de gênero), articula sua formação enquanto seminarista no Seminário teológico Rhema Brasil e suas leituras na área de História da Igreja, Teologia Feminista, entre outros.


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