Todo mundo sabe desenhar. Sim, todo mundo. É que tem toda uma aura em torno do que é ser artista, do que significa “saber” desenhar, ou ao menos de ter a coragem para expor uns rabiscos que saíram com alguma sensibilidade de um momento de entusiasmo. Mas a verdade é que você já fez isso. Bastante. Talvez você até tenha ainda alguma obra sua guardada na gaveta. Onde estão seus desenhos de quando você era criança?
Mas enfim: a gente cresce, a vida acontece e a gente esquece. Só que tem quem continue riscando papel. E ao contrário do que o imaginário sobre o artista propaga, existe muito processo, muito erro e muito suor envolvido nisso tudo. Mais do que qualquer coisa, na verdade.
É aí que entra o nosso maior cúmplice: o caderninho. Numa vida, vão-se vários, múltiplos, dezenas. Páginas costuradas que absorvem a tinta dos impulsos e as imagens que as retinas não formam sozinhas, acompanhando os rabiscos toscos, os esboços legais, as canetas vazadas, as ideias efêmeras e o nascimento e desenrolar de projetos que extrapolam os limites de um A5. O importante é que o caderninho não julga: ele tá ali pra receber o que vier, desde que venha de você.
Fora isso, existe um clichê do artista que é, sim, dolorosamente real: a inspiração não tem hora nem lugar pra chegar. Chega a ser meio rude. Mas já que não tem muito o que fazer – porque essa é uma visita que a gente espera tanto que, quando chega, nem dá pra reclamar –, a melhor solução que encontrei até o momento é o costume que aprendi com um amigo meu, artista plástico. Ele me ensinou muitas coisas úteis, mas talvez essa seja uma das mais valiosas: lugar de caderninho é debaixo do braço, pra cima e pra baixo, de um lado pro outro, sempre com a gente.
Sim, é um hábito, sim, tem vez que a gente sai de casa e esquece em cima da mesa, sim, é meio chato de carregar se a gente sai sem mochila ou bolsa, sim, desenhar em lugares públicos com certeza se tornou uma das minhas coisas favoritas da vida. Tem um ponto em especial que gosto sobre isso que é registrar os retalhos do cotidiano numa colcha já costurada, o caderno. O sentimento é aquele de abrir um olhar para as coisas que normalmente passariam batido. A gente resgata a fisgada de atenção que o ambiente provocou na gente e a disseca, antes que se dissolva na rotina, como tantas vezes antes. E isso fica marcado no nosso pequeno-grande diário, legível apenas por sensações.
Quando o caderninho termina, aí são mais outros quinhentos. A gente volta folheando os rabiscos, as fases, os dias, os humores, os pensamentos e vê ali entre as capas um pedacinho da gente. Tem páginas que eu odeio, outras que eu amo, algumas que dobro para que nem eu veja mais – mas todas, sem exceção, me fazem sentir alguma coisa. Guardo todos os meus caderninhos como álbuns de foto ou recordações de viagem.
Enfim, tudo isso pra dizer: se você ainda não tiver esse hábito do caderninho, comece. É, no mínimo, uma experiência. No máximo, pode ser tanto.
Camilla Cossermelli é redatora, poeta e artista visual, não necessariamente nessa ordem. Formada pela Escola de Comunicações e Artes da USP, desenvolve seu trabalho de forma autônoma, reunindo os retalhos que coleciona da vida cotidiana. Conheça o trabalho da Camilla no Insta ou mande um e-mail direto pra ela: camillacoss@gmail.com.