Do Humor

Por mais austera que seja em alguns casos, ou a despeito das grandes dificuldades que coloca ao seu observador, a arte de Waltercio Caldas apresenta um estranho traço de humor. Humor? Sim, humor. Um humor esfíngico, alguém diria. Como se tivesse atirado uma charada ou lançada uma questão sabidamente intransponível a seu respeito. Por um lado (e isso não resolve a questão) ela sorri de nosso ansioso esforço de interpelação estética, da cede de sentido que assalta aqueles que se põem diante de uma obra de arte. Não que as obras queiram fazer troça dessa situação. Sem prejuízo de sua fineza e elegância, emanam algo jocoso, mas ainda assim difícil de definir. 

Podemos tranquilamente elencar os artifícios responsáveis por infundir nas esculturas e desenhos do artista tal caráter. Muito da simplicidade com que Waltercio “resolve” suas obras, o modo reticente com que as soluciona formalmente, a economia de recursos investida na elaboração das peças parece contrastar com o tom elevado e inapreensível que elas apresentam. Qualquer um com o mínimo de informação sabe que no decorrer do século XX a arte tornou disponível um sem-número de materiais e técnicas de produção, de modo que questionar se aquilo que vemos dispostos nas bienais e galerias é ou não uma obra de arte soa hoje, no mínimo, sem propósito. A extensão do estético parece não ter medidas e ninguém quer posar de filisteu diante das manobras executadas pelos artistas.

Mas esse humor “não quer dizer algo”, ou melhor, ele não diz nada. Se existe de fato um humor nos trabalhos ele nos “mostra”, entre tantas outras coisas, que devemos levar a sério sua simplicidade: a parcimônia de elementos, a liquidação dos artifícios que os tornam tão sóbrios e tão suficientes em sua precisa indeterminação.

No início de sua carreira Waltercio Caldas enfrentou o desafio de pensar as condições e os impasses de se fazer arte, forçando o tempo inteiro os limites que asseguravam as diferenças entre o que seria ou não uma obra. Se a zona de confronto se situava nas margens do artístico, o modo de atuação distanciava-se das atitudes iconoclastas e dramáticas. É por temperamento que o artista tratava a questão com ironia. Muito do humor típicos de seus trabalhos decorrem dessas motivações iniciais, que o levavam a adotar recursos inusitados e aparentemente tão triviais e disponíveis em sua elaboração. Passados cinquenta anos de atuação Waltercio Caldas redefine sua operação, levando em conta as condições e os “instrumentos” mobilizados no momento da experiência estética. O caráter provocativo muda de tom, é verdade, mas sem perder a ironia e o humor que lhe são inerentes.  

A mostra de uma parte da 33º Bienal de São Paulo oferecida ao público juiz-forano através do Museu de Arte Murilo Mendes é uma ótima oportunidade para averiguar essas e outras questões tão caras ao artista. Fica o desafio. 


Gilton Monteiro Jr. é graduado em Artes e Doutor em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Realiza pesquisa no campo da pintura e do desenho.


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Na África Subsaariana, por exemplo, cerca de 560 milhões de pessoas (58% da população) estão vivendo em pobreza multidimensional.  O Globo – 20/09/2018


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2 Comentários

  1. Leandro Furtado

    Muito bem organizado. Parabéns a todos, pois não somente preenche o espaço-convite para ensaios que Juiz de Fora faz, onde o desenvolvimento e amplitude do espaço para o estudante de artes na universidade vem caminhando a cada dia, como também o interesse pela cultura do lado do público volta a reacender. Obrigado em nome dos colegas da arte e do público da região, também admirador da cultura. – Comentário direcionado à todo o site.

    • Muito obrigado Leandro! Graças a comentários como o seu ficamos cada vez mais motivados e certos de que estamos seguindo no caminho certo! Grande abraço! – Frederico Lopes

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