Reconheço que sou praticamente um analfabeto em anime.
Apesar de ser nerd de animação desde que me conheço por gente, meu baú de referências sempre trafegou mais pelas produções ocidentais, tanto em série quanto cinema. Conheci o estúdio Ghibli, por exemplo, só quando vi A Viagem de Chihiro, já depois de adulto, em 2003.
E meu contato foi muito mais casual, até que, há alguns anos, comecei a trabalhar efetivamente com produção de animação. Puxando cases e estudando escolas de produção (e também contaminado pelo frenesi empolgado do meu companheiro Roger Keesse, que sofre de nippon fever), foi inevitável ficar maravilhado com a produção japonesa. O grau de maturidade dos pipelines, o brutal volume de produção e o equilíbrio muito fino entre economia inteligente e puro virtuosismo; todo o sistema e mercado trazem uma solidez embasbacante.
Embasbacante e inebriante. Porque uma vez que você começa a assistir, a extensão de produções pode lhe prender literalmente pra sempre. No princípio, há um estranhamento com a diferença entre o ritmo de storytelling entre oriente e ocidente, assim como demora um pouco para entendermos onde são os pontos de esticamento dramático, já que as prioridades e motivações também são produtos culturais; nem tudo que eu achava importante ganhava peso nas narrativas e vice-versa; ‘Puxa, ele(a) está realmente querendo saltar na frente do metrô só por causa disso?’ Mas essa conversa entre diferenças narrativas fica pra outro texto.
Aqui, queria falar um pouco – e recomendar fortemente – o longa animado A Voz do Silêncio (Koe No Katachi), da diretora prodígio Naoko Yamada. O filme, produzido pela Kyoto Animation (nossos corações estão com vocês!), trata da história de dois jovens japoneses perdidos na luta eterna da busca pelo auto-conhecimento, tateando através do vazio (vazio existencial, vazio de propósito, vazio de acontecimentos); e dança suavemente por temas extremamente pesados (bullying, deficiência, suicídio) com muita graça e afinação. Não vou me aprofundar na trama, pois é parte da sensacional experiência ir traduzindo as motivações e papéis desempenhados na história pelo núcleo de personagens.
Naoko, que já reúne uma boa fama como uma voz muito afiada na tradução do sentimento coletivo adolescente, entrega-nos uma narrativa envolvente, recheada também de (bons) vazios de contemplação, onde a gente tem tempo de ouvir todo o silêncio que vem da voz de Nishimiya, uma das protagonistas.
Outro ponto especial deste filme é o alto grau de performance técnica, em que o super detalhamento de arte equilibra-se perfeitamente com recursos de design inteligentíssimos, onde a destreza visual sempre trabalha em favor da narrativa, e não o contrário.
O filme está disponível no catálogo da Netflix, mas faço um alerta: é um filme lindo, mas não é um filme fácil. Porque muitas vezes o silêncio grita pra caramba.
Bruno Honda é Designer-chefe na Mauricio de Sousa Produções | Direção/Produção | Criativa de Animação | Planejamento Estratégico
Clique na imagem a ajude a Bodoque a continuar o projeto da Trama!
Galeria
Apoie causas humanitárias. Em tempos de cólera, amar é um ato revolucionário.