Estabelecendo uma relação de continuidade com o meu último texto, a saber, ” Sob o silêncio: perspectivas de um trajeto estrutural pelo fio da música.”, me dispus a refletir sobre a atuação do caos no ordenamento das ideias que irão desaguar em alguma expressão artística, que, por sua vez, é criativa e cultural.
Ao “caos” é atribuído uma série de designações, sejam elas do ramo da filosofia, da física e etc. Filosoficamente, caos significa – dentro da tradição platônica -, um estado geral desordenado e indiferenciado de elementos que antecede uma intervenção e, segundo Platão (428-348 a.C.) o interventor seria o demiurgo, figura que modela e organiza a matéria caótica pela imitação do que é perfeito e eterno, mas não cria, de fato, a realidade. Pensando no âmbito da física, sobretudo na física quântica, “caos” é expresso pela complexidade de um sistema dinâmico que, por equações, pode ter a sua interação e determinismo explicado.
Em ambas as conceituações cabe destacar que o caos se constitui enquanto matéria. Mesmo desorganizado pode ser explicado e, indo mais além, podemos concluir que o que entendemos enquanto “regular” pode ser considerado como resultado do caos. A imprevisibilidade desse sistema se dá pela desorganização que gera organização, sendo que essa última, conta com fluxos não só de matéria mas também de energia para que, ao fim e ao cabo, se produza algo derivado dessa matéria pré existente. Pré existente ao mundo, aos sentimentos, as reações e aos desígnios mais pontuais que temos ao longo da vida. Caos, portanto, é o recipiente das peças que irão compor o resultado, seja ele qual for. Longe de tentar aplicar uma função ao caos enquanto ele ainda o é, reflito somente sobre sua potencialidade criativa.
Dizer de um estado caótico, sobretudo quando se produz arte no palco cultural contemporâneo, soa como um bloqueio (assim como o silêncio). Acredito que essa crença e percepção parte do imediatismo – ready and go – produtivo que surge mediante os discursos que apontam uma constância que, por sua vez, se manifesta indicando sabedoria, organização, conquista e todos os outros valores ressignificados por uma sociedade onde a experiência individual se institui enquanto meta para o coletivo. Partindo pela ótica do outro, estabelecemos ou até mesmo restabelecemos nossas reações subvertendo o nosso próprio tempo, organismo, a nossa própria matéria, alterando a nossa energia que, respondendo a uma expectativa externa, não nos proporciona uma vida próspera, ao contrário, coopera para a extinção das dimensões internas que nos torna únicos.
Para concluir, saliento que, talvez, a resposta para um bloqueio criativo ou até mesmo para as vozes externas a sua produção, seja não o caos em si, mas a compreensão que, de uma matéria caótica, se estabelece ordem. Somado a isso, essa dimensão instiga maior sensibilidade, contribuindo para uma nova aventura criativa dado o receptáculo de frações – constituinte do que ainda não se organizou – dentro de você.
Gyovana Machado é graduanda em História pela UFJF, formada no Seminário Teológico Rhema Brasil, líder de música em A Igreja.
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