Existem muitas maneiras de se contar uma boa história. Na realidade, a humanidade cultiva narrativas desde os tempos mais remotos, alimentando e compartilhando as crenças em mitos de origem ou simplesmente relatando acontecimentos cotidianos. Pois então, a verdade é que histórias revelam, muito além de sua trama, aspectos peculiares da existência humana.
Antes mesmo que a linguagem escrita fosse desenvolvida, as histórias eram contadas e preservadas através da oralidade. Aspectos concernentes à ancestralidade e descendência dos indivíduos de uma comunidade, bem como lendas e tradições religiosas, foram transmitidas de geração para geração em rodas de conversa diante de uma fogueira.
Devido à frequência e intensidade desta troca, podemos supor que a construção da identidade cultural de cada indivíduo de cada comunidade, tenha sido construída por suas histórias. Assim, as batalhas vencidas, as derrotas sofridas e grandes feitos realizados, constituem o grande alicerce onde se estabelecem as convicções e desconfianças no imaginário coletivo de determinados grupos.
Para além das manifestações artísticas como a pintura e a escultura, com o advento da escrita, a necessidade de registrar essas histórias em algo que pudesse transcender a existência estabelece um divisor de águas na trajetória humana, promovendo um desenvolvimento tremendo na maneira como o homem conta suas histórias, e, mais do que isso, no modo como lê e interpreta o mundo e a si mesmo.
A julgarmos pela estrutura medieval estabelecida nos scriptoriums dos antigos monastérios, a urgência em manter vivas as histórias mais importantes contadas, (especialmente aquelas que revelavam e preservavam a esfera do sagrado), para além da oralidade, gerou um sistema de trabalho organizado em funções distintas, desde os copistas e iluminadores dos livros até encadernadores, uma espécie de linha de produção artesanal.
E, assim, a humanidade seguiu contando suas histórias. A cada desenvolvimento de novas tecnologias, novas possibilidades surgiram para que os autores encontrassem o suporte perfeito para dar vida e transmitir a potência de sua história para outras pessoas. Foi assim com o teatro, com jornais, revistas, fotografia, o audiovisual, com o advento da internet, em blogs, vlogs, esquetes, mídias sociais, etc… inclusive, algumas histórias envolvem diretamente a ação do espectador, e, talvez por este motivo, a indústria de games esteja faturando mais do que a de cinema na última década.
O fato é que o homem enquanto ser, encontra sentido nas histórias compartilhadas e compreende os diferentes modos de ser e pensar que transbordam a experiência individual e ganham um carater coletivo no ato de compartilhá-las. Assim, ao socializar suas narrativas, as noções de humanidade se moldam e edificam lentamente a pluralidade das tradições culturais, lastro da existência humana, rico em complexidade e principal aspecto identitário de pertencimento e poder.
Portanto, quando contamos nossas histórias hoje, reproduzimos uma prática ancestral que nos conecta com cada indivíduo que, um dia, compreendeu que a existência humana só se estabelece enquanto memória coletiva.
Frederico Lopes é Artista, educador, encadernador, escritor, curador, expografista e violonista. Trabalha no Memorial da República Presidente Itamar Franco e é fundador da Bodoque Artes e ofícios.
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