Por que Contamos Histórias?

Existem muitas maneiras de se contar uma boa história. Na realidade, a humanidade cultiva narrativas desde os tempos mais remotos, alimentando e compartilhando as crenças em mitos de origem ou simplesmente relatando acontecimentos cotidianos. Pois então, a verdade é que histórias revelam, muito além de sua trama, aspectos peculiares da existência humana.

Antes mesmo que a linguagem escrita fosse desenvolvida, as histórias eram contadas e preservadas através da oralidade. Aspectos concernentes à ancestralidade e descendência dos indivíduos de uma comunidade, bem como lendas e tradições religiosas, foram transmitidas de geração para geração em rodas de conversa diante de uma fogueira.

Jovens índios guarani ficam em volta de uma fogueira em Aral Moreira, no Mato Grosso do Sul Foto: Maurício Lima/New York Times

Devido à frequência e intensidade desta troca, podemos supor que a construção da identidade cultural de cada indivíduo de cada comunidade, tenha sido construída por suas histórias. Assim, as batalhas vencidas, as derrotas sofridas e grandes feitos realizados, constituem o grande alicerce onde se estabelecem as convicções e desconfianças no imaginário coletivo de determinados grupos.

Para além das manifestações artísticas como a pintura e a escultura, com o advento da escrita, a necessidade de registrar essas histórias em algo que pudesse transcender a existência estabelece um divisor de águas na trajetória humana, promovendo um desenvolvimento tremendo na maneira como o homem conta suas histórias, e, mais do que isso, no modo como lê e interpreta o mundo e a si mesmo.

A julgarmos pela estrutura medieval estabelecida nos scriptoriums dos antigos monastérios, a urgência em manter vivas as histórias mais importantes contadas, (especialmente aquelas que revelavam e preservavam a esfera do sagrado), para além da oralidade, gerou um sistema de trabalho organizado em funções distintas, desde os copistas e iluminadores dos livros até encadernadores, uma espécie de linha de produção artesanal.

E, assim, a humanidade seguiu contando suas histórias. A cada desenvolvimento de novas tecnologias, novas possibilidades surgiram para que os autores encontrassem o suporte perfeito para dar vida e transmitir a potência de sua história para outras pessoas. Foi assim com o teatro, com jornais, revistas, fotografia, o audiovisual, com o advento da internet, em blogs, vlogs, esquetes, mídias sociais, etc… inclusive, algumas histórias envolvem diretamente a ação do espectador, e, talvez por este motivo, a indústria de games esteja faturando mais do que a de cinema na última década.

O fato é que o homem enquanto ser, encontra sentido nas histórias compartilhadas e compreende os diferentes modos de ser e pensar que transbordam a experiência individual e ganham um carater coletivo no ato de compartilhá-las. Assim, ao socializar suas narrativas, as noções de humanidade se moldam e edificam lentamente a pluralidade das tradições culturais, lastro da existência humana, rico em complexidade e principal aspecto identitário de pertencimento e poder.

Portanto, quando contamos nossas histórias hoje, reproduzimos uma prática ancestral que nos conecta com cada indivíduo que, um dia, compreendeu que a existência humana só se estabelece enquanto memória coletiva.


Frederico Lopes é Artista, educador, encadernador, escritor, curador, expografista e violonista. Trabalha no Memorial da República Presidente Itamar Franco e é fundador da Bodoque Artes e ofícios.



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