Igualdade e Fraternidade às favas

No Brasil, ou ao menos em seu Governo e nas castas mais abastadas e menos esclarecidas sobre a realidade social de seu povo, a onda agora é comemorar a “retomada” do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, que mais ou menos sintetiza os índices de variação da economia, determinando o que convencionou-se dizer como “o país cresceu”. Entretanto, a questão (a despeito de toda a desproporção entre os elogios aos meros 0,6% incensados pela mídia e pelo poder financeiro, e os 1,5% e 2,5% chamados de “pibinho” quando a presidente era Dilma Rousseff) é qual o nível de qualidade de vida de sua populacão.

Nos índices que medem o desenvolvimento humano, o principal deles aquele coordenado por várias entidades internacionais que é homônimo ao seu objeto, o Índice de Desenvolvimento Humano, mais conhecido pela sigla IDH, o Brasil ocupa a 79a posição, vindo da 78a. Já no índice de desigualdade calculado pela mesma fonte, o Brasil se mantém na 102a posição. Nesta última, figura melhor apenas que o Paraguai, em toda a América do Sul. No primeiro ranking, está na metade de baixo da lista. No segundo, praticamente abre o terço final.

A boa e livre circulação das riquezas, que permite a mobilidade social e o consumo, em tese, é sim um bom atributo para o país. Se ele cresce economicamente, tanto melhor, pois há mais o que ser distribuído à população em forma de emprego, renda e consumo. Por isso, é justa a celebração de crescimento real da economia, mas não a recessão maquiada de crescimento que é esse 0,6%, em que prevalecem as bicicletas conduzidas por rapazes de mochila verde-limão. Se esse avanço em cifras não resulta em qualidade de vida, ele não passa de dados abstratos, que ao fim e ao cabo só confirmam o país como um porto seguro para ganhos no mercado financeiro, que geram dividendos, inclusive, majoritariamente fora do país. Quando aqui, nas imediações da Avenida Faria Lima, em São Paulo, e nos condomínios fechados onde vivem seus especuladores, que hoje movimentam tesouros e riquezas, do trabalho e do imposto alheio, com um toque em seus aplicativos de consultoras financeiras privadas no celular.

A questão está na fundação da economia moderna. Se John Locke foi um defensor das liberdades econômicas e Voltaire, das liberdades política e de expressão, Montesquieu atentou para a importância dos limites do Estado e seu papel de regente dos interesses nacionais (aí incluídos os econômicos) e Rousseau apontou a necessidade de convergirem para o ser humano os trabalhos para a geração de riquezas a partir da conquista das liberdades. Ou então, de nada adiantaria o chamado “laissez faire”, visto que ele se transformaria em ferramenta para a sedimentação de novas estruturas excludentes de poder, tais quais a monarquia e o clero que o Iluminismo buscava sobrepor pela idealização do Estado moderno, o qual conquistariam por meio da Independência dos Estados Unidos e da Revolução Francesa.

A síntese de tudo isso está no lema da Revolução Francesa, de 1789. “Liberdade, Igualdade, Fraternidade.” Apenas com iguais condições na busca por uma vida confortável e feliz, bem como o olhar preocupado com o outro, pode-se alcançar a sociedade ideal lastreada nas liberdades econômicas. Mais tarde, Marx perceberia os fracassos da idealização iluminista e chacoalharia o pensamento sobre a sociedade moderna, mas as bases não se alterariam. A busca por uma organização social em que todos tenham uma vida feliz se baseia nos três conceitos que sustentam o lema da Revolução Francesa. Por isso a estudamos até hoje e por isso ela encerra a Idade Moderna, marcada pelo mercantilismo de Estado e pelas monarquias absolutistas, colonialistas e escravistas, e abre a Contemporânea, a qual ainda damos sua história e a lapidamos até hoje.

Entretanto, a julgar por Wall Street e seus comensais/serviçais em solo brasileiro, jogou-se a fraternidade e a igualdade às favas, restando a liberdade como privilégio de quem pode gozá-las. Como nós, que estamos lendo. Não nos enganemos, nós somos parte dos livres privilegiados. Outros bilhões, quizá três quartos da Terra, não.


Hélio de Mendonça Rocha é jornalista. Atua como repórter de meio ambiente e direitos sociais para a revista Plurale e como analista político para os jornais Brasil 247 e El Siglo de Chile. Foi correspondente internacional na China em 2019.



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