Por que voltamos a ser afetados?

Aqueles um pouco mais velhos, recém passados dos trinta ou com um pouco mais, hão de lembrar de quando o Brasil quebrou duas vezes, nos anos 1990, primeiro em consequência da crise nos países emergentes asiáticos, como Coréia do Sul e nas áreas chinesas de economia capitalista, Taiwan, Macau e Hong Kong, e uma segunda quando a Argentina veio à sua pior bancarrota após a dolarização da economia. Na ocasião, por duas vezes o país teve que recorrer ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e multiplicou sua já alta dívida externa, que só veio a ser paga em 2006 pelo ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT, 2003-2010).

     Pois agora, depois de anos superando com suavidade as crises econômicas decorrentes de problemas nos países desenvolvidos ou vizinhos, o Brasil volta a sofrer com a conjuntura internacional, dessa vez com o coronavírus que já adoeceu mais de 30 mil pessoas e vitimou fatalmente quase 800. Não tanto pelas vidas perdidas, que não importam muito no capitalismo, mas mais pelo temor pela desaceleração da economia chinesa devido aos esforços estatais e privados pela contenção da disseminação do vírus, os mercados vêm abaixo há três semanas e inevitavelmente vão afetar a expectativa de crescimento do Brasil, que já estava relativamente baixa, em 2,5%.

      Vale lembrar que esses 2,5% previstos por Governo e analistas, geralmente, não passam de iscas do mercado para o consumidor e os investidores mais modestos, ao lançarem um número mais alto que, ao longo do ano, vai se deteriorando com as intempéries da economia. Tudo afeta a economia, desde o prefeito eleito de uma grande cidade (e suas expectativas de privatização, por exemplo, que atraem mercados privados sedentos de novos negócios), até uma doença que se espalha num dos países dos quais o Brasil é maior exportador e importador.

Para onde vão a soja e os minérios brasileiros se os chineses estiverem investindo em pesquisa e remédios? Eis aí a questão, que é acompanhada de outras como de onde o Brasil vai tirar os seus microchips para montagem de peças e assessórios de informática.

       Acontece que, se há muitos anos não vivíamos tão fortemente o impacto da economia internacional, por que estamos passando por isso agora? A resposta está na desindustrialização e no resfriamento do mercado interno, graças a incontáveis medidas adotadas desde o Governo Michel Temer (MDB, 2016-2018) que reatrelaram o Brasil de forma pouquíssimo soberana ao mercado internacional (privatizações, fragilização das leis do trabalho, etc). Sem produção e consumo internos, o país perde a sua principal âncora econômica, que o ajudou a passar por uma turbulência mais grave, por exemplo, em 2008.

      A própria China está enfrentando a doença com canalização de esforços estatais e de sua indústria privada interna para construção de estruturas públicas (um hospital foi erguido em questão de dias) e recrutamento de profissionais e insumos de saúde com suporte do dinheiro do Estado. Ou seja, a segunda economia mundial só vai sobreviver graças à sua produção e mercado internos, e ainda pode salvar a economia dos países do terceiro mundo que lhe são dependentes, caso passe por esse problema rapidamente.

      Não restam dúvidas de que, caso ocorresse no Brasil a epidemia do coronavirus, em tempos inclusive de esvaziamento do Sistema Único de Saúde (SUS), o Brasil ficaria de pires na mão à mercê de ajudas internacionais. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) provavelmente soltaria sua pirotecnia a respeito de uma ajuda qualquer de Israel, mas na verdade sofreríamos porque estaríamos privados da ajuda de Cuba.


Hélio de Mendonça Rocha é jornalista. Atua como repórter de meio ambiente e direitos sociais para a revista Plurale e como analista político para os jornais Brasil 247 e El Siglo de Chile. Foi correspondente internacional na China em 2019.



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