Fotografia e Curadoria: Thiago Gomes
Texto: Victor Furtado
Cotijuba é um exemplo de como a pandemia de COVID-19, a doença causada pelo novo Coronavírus (sars-cov-2), afetou as 39 localidades que compõem a Região das Ilhas de Belém. Históricamente, essas são áreas carentes de desenvolvimento e que já sofriam com um certo nível de isolamento – afinal, só são acessíveis via fluvial. A economia dessas áreas é baseada em comércio e turismo, dois setores esmagados pela necessidade de saúde pública de pessoas ficarem em casa.
Com muito mais dificuldades em acessar máscaras e álcool em gel, os moradores da ilha se viram como podem. Preocupados, pensam em começar a cobrar comprovante de residência para chegar à ilha. Algumas barreiras sanitárias têm usado esse recurso, em alguns municípios.
Enquanto alguns locais até protestam pelo fim das quarentenas, o que o povo de Cotijuba não quer é ter de remediar algo que pode sobrecarregar sua capacidade de cuidar dos doentes. Ainda que preocupados com a economia, de forma ampla, a comunidade tem tentado se proteger da pandemia. Todos os entrevistados relataram se cuidar de todas as formas possíveis. Contudo, Cotijuba não teve muita escolha. Foi forçada a um lockdown (o fechamento e isolamento) ainda mais severo do que outros lugares.
A ilha de Cotijuba, para quem nunca a visitou antes, fica a cerca de 30 minutos de barco, saindo do trapiche de Icoaraci. Detém 8 mil pessoas, da população de quase 40 mil que habita a Região das Ilhas. O primeiro impacto está justamente no transporte: antes, os barcos saíam e chegavam, quase sempre, lotados. Em média, a capacidade das embarcações é de 50 passageiros (umas mais e outras menos).
Durante a pandemia, contudo, a situação é outra. Dificilmente, dizem os barqueiros, as viagens têm 20 pessoas. Por questões de sobrevivência financeira, em que ganhar pouco é melhor que ganhar nada, as linhas continuam, mas com ajustes nos horários e preços iguais. Há prejuízo. Para dar conta de viagens pouco rentáveis, tem havido revezamento. Com isso, alguns profissionais da saúde reclamam que as condições de viagem são cada vez piores para chegar à Unidade Municipal de Saúde de Cotijuba.
“Nossa região é carente de recursos e é difícil encontrar máscaras e álcool gel. Álcool nem se acha. Quando tem, é em preço exorbitante. Algumas pessoas estão acompanhando a mídia e a divulgação da prevenção tem sido feita. “, diz Aldo de Jesus, que trabalha em um laboratório e diz estar atento a todos os cuidados, desde a higienização das mãos até a lavagem das roupas. Nos barcos, são raras pessoas de máscaras.
Parte do prejuízo inclui os gastos novos, que antes nunca foram pensados, como a higiene. Agora, a cada viagem, os barcos são higienizados com álcool 70% – assento por assento e nos locais onde as pessoas costumam pegar e se apoiar. A limpeza é feita com toalhas de papel, descartadas logo em seguida. Ninguém entra nas embarcações sem ter as mãos previamente higienizadas com álcool também. Ainda há quem seja negligente a esses cuidados, mas são minoria. Todos esses dados são da Cooperativa dos Barqueiros da Ilha de Cotijuba (Cooperbic).
Presidente da Cooperbic, o barqueiro Eliézer Torres diz que a comunidade de Cotijuba tem se mostrado unida e atenta na prevenção. Diante da falta de álcool em gel, empresários se uniram para montar pias no trapiche principal. Ao menos sabão e detergente não têm estado em falta. Nem toalhas de papel para enxugar as mãos. A Organização Mundial da Saúde já atestou: uma boa lavagem de mãos já é suficiente para matar o novo coronavírus.
“Quem chega ou sai da ilha precisa higienizar as mãos. Essa medida já tem sido muito boa. Estamos fazendo nossa parte, tentando conscientizar todo mundo, para que o vírus não chegue à nossa ilha, mas tem uns que ainda não compraram a ideia”, diz Torres. Nos barcos e pontos de principal circulação, há cartazes informativos sobre a COVID-19 e medidas preventivas contra o novo coronavírus.
Felipe Vilhena, por sua vez, é encarregado em construções. Tem feito o possível para seguir a recomendação de não sair de casa. No entanto, a necessidade de sobreviver às contas de cada mês exigem que ele tenha voltado a trabalhar. Ele o fez e foi a Cotijuba, mas não sem antes dar um jeito de, ao menos, conseguir uma máscara.
“Infelizmente, nem todo mundo está se cuidando. Até porque não tem máscara ou álcool. Nada. Essa máscara que estou usando foi um amigo que já me arranjou. Cadê a higiene? Não é em toda embarcação que o pessoal faz limpeza não. Só estou indo a Cotijuba por urgência, após cinco dias direto em casa. Sem trabalho, não tem comida. Não sei como outras pessoas vão aguentar”, comentou Felipe.
A ilha que respirava turismo é irreconhecível.
Quem conhece Cotijuba sabe que, em outros tempos, já haveria um movimento aquecido para o dia. Uma ilha inteira se preparando para o final de semana, que sempre foi o período de trabalho intenso. Porém, o que vimos foi apatia e silêncio. Antes, o barulho das motos rompia esse silêncio frequentemente. Porém, os mototaxistas e motocharretistas não têm mais quem levar. Muitos pararam de trabalhar. Outros insistem, ainda que fiquem ociosos quase o tempo todo.
Muitos comércios estão fechados. Os mercados, ao menos, não sofrem com desabastecimento, pois não houve corrida por parte dos moradores para montar estoques domésticos dos produtos (diferente dos centros urbanos). Isso é, com exceção de álcool gel e máscaras.
Nas praias, só se ouve passarinhos, vento e alguns cachorros. Nenhuma caixa de som ligada tocando as marcantes ou os sucessos mais recentes do tecnobrega. Bares, restaurantes, hotéis e pousadas fechados. Um cenário desolador para mais de 30 anos de trabalho em Cotijuba do senhor Jonas Bentes, o “Highlander” — também cantor e compositor de arrocha —, que é dono de um bar e restaurante na praia do Farol, uma das mais populares por ser a mais próxima dos trapiches.
“Fazer o que? É só Deus mesmo pra proteger a gente. Não tem nem uma caixa de som animando, alguém fazendo uma brincadeira. Pra me virar com as contas, eu faço matapi ecológico, de garrafa PET, pesco camarão… é o que ajuda. Comecei vendendo queijinho assado no espeto. Eu me viro. Minha irmã e meu cunhado também se viram como podem, mas também fecharam os negócios deles”, conta Jonas, seguindo com uma canção sobre a noitada de Cotijuba que não é mais a mesma.
Thiago Gomes é paraense, atua como fotojornalista em Belém do Pará e como correspondente em agência de notícias nacional. Apaixonado pelo Pará, viaja por todo o estado fotografando sua cultura, seus costumes locais e sua diversidade. Conheça mais no Instagram.
Victor Furtado é é jornalista, especialista em Comunicação Corporativa. Em 10 anos de carreira em vários lugares, passou o tempo consumindo vinhos, cafés, chocolates, açaí com farinha e tapioca, cinema, música, quadrinhos e jogos. Um macho brincalhão, rabugento, em desconstrução e tentando eliminar a própria masculinidade tóxica. Conheça mais no Instagram.
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