A Quarta Parede do Som (e o que há além dela)

s
so
mos
som
os
s
*
Assim como já dito antes,
começo consciente da derrota que se sucederá
nas linhas que seguem.

Certo dia, estava ouvindo música com meus fones – o que é uma prática bem comum. Acho que uso fones de ouvido desde os 15 anos, lembro que comprei um certo modelo de celular (não existia ainda os ‘smartphones’) por possibilitar ouvir músicas direto nele; bastava transferir os arquivos mp3, o que era inovador na época (para os nostálgicos, era um Sony Ericsson w200 Walkman, aquele preto e laranja. Um charme. Comprei de muitas vezes, numa dessas condições oferecidas pelas operadoras, com meu escasso salário). De fato, faz tempo… [pausa] quantas vezes já devo ter colocado e tirado os fones do ouvido desde então?

O fato é que sempre sou
vencido,
na verdade acho que não tem como vencer.
Assim como muitas batalhas...

Umas 900 mil vezes? Acho que sim. Mas enfim. Numa dessas, eu tive uma sensação estranha. Ok, essa sensação pode ter sido sugestionada pelas leituras que eu estava fazendo. Que eram sobre mixagem de sons. Em um estúdio, por exemplo, para que se possa trabalhar melhor na produção de uma música, muitas vezes, grava-se os instrumentos de uma banda em takes separados. Depois, é necessário fazer a mistura desse som para que tudo soe como uma coisa só, esse é o processo de mixagem. E um dos conceitos centrais desse processo é o de “acomodar” os instrumentos dentro de um ambiente.

Talvez por isso os sons
me atraíram tanto
acho que há uma aliança
no reino dos sons.
Ou então, de tão sublime
Não tenha tido nem a primeira luta.
Seja o que for, encontrei paz quando
cheguei...

Então, a função de um mixador é criar um ambiente que comporte todos aqueles instrumentos produzindo os mais diversos sons. Ou seja, enganou-se aquele que pensou que som era um fenômeno puramente mecânico. Não, é psíquico também. E a área que estuda isso é a psicoacústica, que é basicamente o estudo de como percebemos o som. Pois bem, como sei que um determinado som vem da direita? De acordo com o tempo de chegada desse som em cada uma de nossas orelhas. Nosso cérebro aprendeu, com isso, a nos dizer: “vem de lá”. E é claro que ele se engana. Por isso que, às vezes, quando vamos dobrar a esquina pra direita, sentimos na esquerda os sons vindo de lá: pois as construções rebatem o som, enganando nosso cérebro. E é isso que fazem os mixadores. Enganam nossos ouvidos. Criando os ambientes que esses vão conviver. Está criada aí a quarta parede do som.

É como se eu explicasse algo.
sem dizer nada
e todos entendessem
sem a necessidade de entender,
entende?

Então eu comecei a ouvir algumas músicas diferente de como eu ouvia antes; comecei a demolir aquela parede e tentar enxergar o ambiente que aqueles instrumentos estavam. Sugado numa velocidade incalculável para o interior [a música tocando] – Dei-me conta da invasão algumas semínimas depois [bonita essa parte]. Será que existe vida aqui? [movimento mais acelerado] Estou num lugar sem lugar, em um não-lugar? [um acorde tenso] Que lugar é esse? [pausa longa]

[resolução final]
.
Acho que a mágica está justamente aí
Nesse lugar sem lugar onde se entende sem entender.
Talvez por isso fora possível a paz. 
Pois ao mesmo tempo que há desejo em ser
Tudo é 
sem a necessidade de ser.

[som decrescendo]

Já que todos participam 
 - e cada um participa -
de acordo com sua própria acústica psíquica.

[silêncio]

Robert Anthony é músico compositor experimental.


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