A necessidade do diálogo é um dos pilares de qualquer movimento que se firme na busca da liberdade do ser humano. De religiões a ideologias políticas e sociais, o diálogo é a via pela qual se constrói a própria identidade, visto que se coloca diante do outro e, assim, estabelece sua forma de pensar moldada por seus princípios e sua reação ao que lhe é diferente.
Todo esse cenário é ideal, lindo, utópico. Deve ser perseguido e desejado. No entanto, vivemos um período em que as forças que se levantaram ao longo das duas primeiras décadas do Século XXI tomaram o poder e se realocaram nas estruturas de mídia e religião. O novo fascismo ganhou força e apoio popular, em contrapartida, conseguiu reunir velhos adversários e alinhar quem antes estava distante. É natural a desconfiança e a prudência nesse período. Anarquistas já foram usados como fiéis da balança e depois descartados no passado, perseguidos e mortos. Já alguns anos os anarquistas se levantam, mais uma vez, para tomar à frente da luta contra o fascismo institucional. A reunião antifascista ganha voz e protagonismo e vira assunto de noticiário popular. Diante dos temores de que o passado aconteça, mais uma vez, precisamos reinventar a maneira de dialogarmos.
Não se constrói resistência popular e libertária sem diálogo e contraditório. Nesse sentido, a busca pelo diálogo precisa ser reinventada, não mais firmada nos pragmatismos de um momento só, mas com vistas a uma mudança profunda em nossas estruturas sociais. Levantar a bandeira e cerrar os punhos para derrubar um governo fascista não deve ser o único objetivo único de qualquer ação popular. Precisamos mudar a estrutura social, buscar a quebra dos poderes instituídos e reorganizar a sociedade a partir de uma perspectiva comunitária e colaborativa. Neste aspecto, o cristianismo tem muito a contribuir. Não me refiro ao cristianismo institucional, formado por CNPJs e alicerçados em constituições e regimentos internos. Esse aí é um cristianismo judicializado e corrupto. Refiro-me a um cristianismo de chão, o cristianismo do povo que lê a Bíblia e encontra nela os caminhos de liberdade e vida. Nesse sentido, o poder criador de Deus, que para o cristão provê vida todo dia, se manifesta no poder criativo do ser humano. Na criatividade reside a resistência e sobrevivência. Não podendo se reunir publicamente, por conta da perseguição do Império Romano, os primeiros cristãos se reuniam de casa em casa, tinha nos apóstolos o testemunho de um serviço amoroso e não um ensino repressor e racista, compartilhavam não só a espiritualidade, mas também dividiam as despesas e os ganhos, e não faltava nada para ninguém.
O diálogo criativo que proponho, portanto, não está firmado na forma em que ele acontece, mas sim em seu conteúdo. Se o diálogo permitir a criação de estruturas de compartilhamento e autogestão, de prover vida e liberdade diante das estruturas opressoras, tala qual Jesus de Nazaré o fez, e seus apóstolos reproduziram, na primeira metade do Século XX. Diálogo criativo só é possível quando as partes estão dispostas a baixar as guardas e ceder e também se impor, quando necessário. Não se trata de anular sua própria identidade, mas sim de reforçá-la e reafirmá-la. Diante do contraditório, eu cresço e aprendo. Se eu não dou voz ao diferente, eu me fecho e petrifico minhas posturas. No cenário atual, não devemos jamais fechar o caminho do diálogo. Agora, se ele nos for fechado, a resposta deve ser clara, firme e objetiva. Com fascista não se dialoga.
Giovanni Alecrim é pastor, escritor e podcaster. Escreve sobre teologia, anarquismo e o que mais lhe der na telha.
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