Dia desses, foi posto por um sujeito bem caricato num pedaço de concreto e aço, um ovo bem engraçado. Ele era bem decorado, de ideias entrelaçado, parecia algo bonito, fino e requintado. O ovo era meio esbranquiçado, fazia um barulho danado, tinha um bicho roncando, rolava em cima de quem tivesse de lado. Vieram formigas, borrachudos e carrapatos, o ovo virou para o lado e esmagou os pobres coitados. O caricato, muito desconcertado, falou que não tinha culpa, que só queria apoiar os fatos, que estava com a turba dos ovos, que fazia justiça com os votos dos alienados. Pela segurança, pela liberdade, por Deus e pelo diabo, o ovo precisava ser chocado, e que ousadia pensar em quebrá-lo.
No requinte do bordão, um doutor bem engravatado fez um raio x daquele ovo, disse que era de serpente, dessas que mata gente a troco de nada. Ele foi vilanizado, desses repentes de sertão, que mais olha a terra do que a própria semente. Das políticas que transforma água em ouro, das desculpas que crescem o olho gordo. E por mais que advertisse, o ovo ainda estava lá, parado, redondo, esperando o momento certo de eclodir. Daqui do lado, uns certos fulanos já se armam com copo de leite e taco na mão, esquecem o veneno, a mordida do escorpião. Mas no fundo tratemos de ideias com capa e capuz. Do certo sujeito, coincidências a parte, carinho no ovo, joelho no chão. E todo resto que clama, sacode e chora, no vão do navio, remando distante, susurra baixinho: viva a democracia do fulano.
Erick Pereira é capixaba natural de Vila Velha – ES. Residente em São Paulo a mais de 10 anos, desenha histórias que aprende e quer repassar. Está em seu terceiro trabalho autoral.
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