É tempo de valorizar as artes e os artistas – entre eles, os nossos futuros artistas favoritos; desse – e de alguns outros – propósitos, nasceu a Trama, que mais do que uma revista, busca ser um espaço aberto onde artistas possam se expressar e se fortalecer.
Quando pensamos em artistas locais, cada movimento conta. Compartilhar suas obras, seus sonhos e caminhar junto por uma jornada cheia de possibilidades, alegrias e às vezes frustrações; isso até o momento em que a arte voa sozinha, e alcança lugares tão inusitados e especiais que tornam cada aspecto da jornada um degrau memorável na vida do artista e do espectador. E quem acompanha um artista desde o início sabe o quão gratificante é todo esse processo.
Pensando nisso, e em fortalecer cada vez mais as cenas regionais, começaremos a navegar junto a artistas locais tanto de nossa cidade quanto de lugares que vocês, nossos leitores, nos indicarem. Bem vindes, bem vindas e bem vindos à entrevista de estreia da mais nova coluna da Trama: Arredores.
Na edição de estreia, apresentamos a vocês o Diego Neves, músico de Juiz de Fora. Ex-vascaíno, hoje flamenguista e embaixador do emo no Brasil, Diego é vocalista da Legrand e idealizador do projeto solo DiegoNeves*Banda, que lançou sua primeira música, ‘Mexicana’, no finalzinho de julho.
Logo após o lançamento, o Kariston França, colaborador da Trama, trocou uma ideia com o artista sobre o novo projeto, sobre produzir na quarentena e outras questões. Rola pra baixo pra conferir!
Trama: Porque um projeto solo? O quanto ele destoa (ou complementa) seu trabalho na Legrand?
Diego: Diego Neves*Banda é um projeto que nasce bem antes da Legrand, mas que se realiza só agora, depois de 5 anos de Legrand. Uma curiosidade é que Legrand é um nome que veio de uma música da Diego Neves*Banda; mas isso é outro assunto. Enfim, a grande diferença entre Legrand e DN*B está na linguagem escolhida. No projeto solo eu caminho no chão das referências pop e MPB, falando com mais leveza e suavidade de temas como amores, encontros e auto conhecimento. A Legrand nasceu indie e foi se inclinando pra uma linguagem mais alternativa, conversando muito com o Midwest Emo, que a gente chama de Emo adulto (risos). Nela, eu derramo os temas mais intensos, indigestos, incômodos, de modo mais incisivo. As diferenças são mais fáceis de perceber do que as semelhanças, mas acho que tom nostálgico das composições, ainda que caminhem em direções distintas, é o que aproxima os dois projetos.
T: O projeto novo já tem nome? Você pode nos revelar?
D: O que vem por aí tem forma, duração, nome, tudo definido, mas ainda é cedo pra falar mais. Por enquanto, a gente fica com “Mexicana” e em breve surge mais coisa nova.
T: As influências sonoras parecem ter uma semelhança óbvia pela sua participação na Legrand. Conta pra gente um pouco mais sobre referências musicais que você usou no seu projeto solo.
D: No projeto solo, eu mergulhei no universo do indie pop e de todas as vertentes que se desdobram dele, mas tem bastante coisa da MPB. Acho que posso destacar as fortes influências de Silva, Mahmundi, Xime Sariñana, Chvrches, Duda Beat e Tuyo. Mesmo que indiretamente, todas essas referências trazem consigo uma nostalgia com cara de anos 80/90, que eu amo demais.
T: A experiência de gravar e mixar na quarentena, como foi? Fez falta a experiência de ir ao estúdio? Como foi esse processo de gravação e a mixagem?
D: O estúdio faz falta quando nos referimos aos equipamentos, principalmente os analógicos; lá, a gente tem acesso ao timbre daquele compressor ou daquele amplificador, sem precisar simular aqueles sons. Mas gravar em casa tem um clima diferente, principalmente quando o assunto é tempo. Experimentar, fazer e refazer, errar, acertar, descobrir, tudo isso demanda tempo. Quando você grava no seu quarto, sem a pressão do tempo pago e das horas gastas no estúdio, o limite criativo e as possibilidades de exploração se expandem. Eu gravei esse projeto todo durante uns dois meses, a partir de demos gravadas há 3 ou 4 anos atrás. Fui tirando e colocando elementos, experimentando até chegar no ponto que queria. A mixagem e a master foram feitas pelo Rubens Adati (Inhame Estúdio). Ele é de São Paulo, tem a banda Meu Nome Não É Portugas, fez algumas guitarras no disco do Vella (Felipe Vellozo, baixista da Duda Beat) e já trabalhou com muitas bandas da cena paulistana. Ele surgiu como uma surpresa maravilhosa, num post de Instagram, e meses depois eu estava ouvindo o projeto pronto. O que senti falta mesmo foram das conversas que rolam durante o processo. É sempre divertido, e ajuda no surgimento de ideias novas. Mas deu tudo certo e tive muita gente nessa comigo, apesar da distância.
T: Você acha que vai ganhar algum pastel na mexicana? Já soube que ganhou bolo da Regaliz…
D: (RISOS) Eu ficaria feliz com esse patrocínio aí. Me nota, Mexicana! A Regaliz tem meu coração! Conte comigo pra tudo, Regaliz, tal qual o meme. (risos)
T: Sua escrita tem muito de uma poesia ordinária e envolvente. Podemos esperar essa tendência ao longo do projeto, ou veremos letras politizadas em uma poesia mais intensa, como nas letras do álbum mais recente da Legrand?
D: Sim, essa [poesia ordinária] é a tendência do projeto. Quero explorar esse cotidiano versado, cantando letras que usam uma linguagem rica em signos da vida comum. Mesmo que recorra à introspecção em alguns momentos, ainda assim é um uso menos denso do que nas composições da Legrand.
T: Você lançou a música ‘Mexicana’ apenas em mídias virtuais. Como você enxerga esse espaço para artistas consolidados e novos artistas?
D: Há uma ideia de democratização da produção e da distribuição dos conteúdos artísticos por meio dessas mídias. Os artistas mais consolidados se adaptaram aos novos formatos, precisaram repensar estratégias, mas usufruem de uma estrutura muito maior do que nós, artistas independentes. Assessoria, gerenciamento de carreira, gravadora, tudo segue um fluxo diferente. Mas, ainda que sem essa estrutura enorme, com disposição e organização do trabalho – e contando com a ajuda dos amigos, claro – os artistas independentes podem se lançar no mercado, sem intermediação de grandes selos ou muita burocracia. Lógico que existe um vão enorme, que a ralação pra fazer o trabalho vingar exige muito esforço, planejamento, noites viradas, mas ninguém começa hoje e amanhã é a nova Lady Gaga. Tudo é processo. Pra chegar nos 1000 plays, tem que planejar os primeiros 10, depois 100, assim por diante – e tem que comemorar muito essas conquistas. Talvez a gente peque muito em enxergar a produção artística apenas pela ótica do mercado. A música é mercado sim, mas se você não faz isso porque é o que ama fazer, tudo passa a ser só número sobre número e se perde.
T: E a questão da pirataria? O acesso livre às produções artísticas, culturais e acadêmicas pelo livre compartilhamento precisa acabar? O quanto isso interfere no seu projeto?
D: Essa é uma questão delicada e que tem muitos lados. Entendo que a pirataria, em termos lucrativos, trouxe uma desestabilização do mercado e isso afeta a indústria – o que significa, grosso modo, que trabalhadores vão sofrer com isso, com essa desestabilização. A tendência é sempre a mesma: o que afeta os grandes grupos e empresas, afeta mais quem é o “chão de fábrica”. Mas como pensar em democratização do acesso à cultura e não considerar causar um abalo na estrutura da indústria? Porque é inegável que os espaços e produções culturais são pensados a partir do consumo, em termos de indústria. E quando pensamos em consumo, sabemos que uma parcela da população é privada desses espaços por conta da sua realidade. Nem todos podem ir ao cinema com frequência, muito menos podem pagar centenas de reais pra assistir o seu artista favorito ao vivo. Nesse ponto, a pirataria causa uma inflexão necessária, mas complicadíssima de analisar. A pirataria não é uma faca de dois gumes, ela é um decaedro. Eu sou a favor do acesso livre à informação. Entendo isso como direito fundamental, mas essa é uma discussão longa, que ainda engatinha, apesar dos anos de transformação que a indústria cultural promoveu. Quanto a mim, não sei dizer o quanto isso pode me afetar, sendo bem sincero. Outros elementos, como o repasse das plataformas de streaming para os artistas, precisam entra na equação também, e é aí que a gente vê esse nó se complicar mais que os nós temporais de Dark.
T: Podemos esperar participações nas próximas composições?
D: Espero que, num futuro próximo, sim, possam surgir mais participações e parcerias; mas nesse projeto solo as composições nasceram e foram executadas bem “solo” mesmo. Mas eu quero ter mais composições escritas em parceria e espero, ao menos quando pudermos voltar aos palcos, poder contar com outras vozes somando comigo.
T: Você gosta bastante de um pagode e samba; acha que pode vir um som nessa mistura?
D: Pagode 90 é minha religião! (risos) Eu tenho composições que flertam com o samba e com o pagode, sim. Na verdade, por ter crescido ouvindo muito pagode, é inegável que minhas músicas bebem dessa fonte – e se você tirar o arranjo original delas e colocar um pagode, elas vão encaixar (risos). Quem sabe esse gosto pelo pagode ganha corpo e se torna real? A Legrand já faz o Derê – nosso pagodão pré carnaval – há dois anos. Não nego que possa nascer algo assim na DN*B.
T: Alguma indicação de artistas que te acompanham ou que você descobriu?
D: Mahmundi, Adriana Calcanhotto, Lenine e Jorge Drexler são artistas que trago no coração. Mas eu descobri recentemente preciosidades como Natália Lafourcade, Los Punsetes, Zahara, Suoersbmarina, Sidonie. Enfim, a lista seria extensa, mas menciono ainda Ximena Sariñana, Mon Laferte, BAAPZ, Mike Posner, Rincon Sapiência e a incrível Julieta Venegas. Enfim, se alguém quiser mais, pode me chamar no Instagram que a gente troca ideia.
T: Deixa seu recado para nossos leitores aqui.
D: Acho que o que posso dizer é: se cuidem e cuidem dos seus. Em breve, a loucura que a gente tá vivendo se abranda e a vida segue o fluxo. No mais, ouçam DN*B, apoiem os artistas da sua cidade e OUÇAM MÚSICA LATINA E EM LÍNGUA ESPANHOLA. Um beijo, um abraço e fiquem firmes!
Ouça o primeiro single do Diego: Mexicana.
Kariston França é apaixonado por pizza, e nas horas vagas atua como entusiasta da teologia pública.
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