Antes de qualquer discussão acerca da relação entre o Islam e o feminismo, é importante ressaltar que a religião islâmica carrega em sua essência um caráter de equidade e Justiça Social. Mas o que isso significa realmente?
O Islam representa mais do que uma simples crença na vida do muçulmano; é uma religião que transcende a subjetividade da fé e institui orientações de como se portar e agir dentro de uma sociedade. Significa, também, que o Islam propõe a busca de uma sociedade equitativa, no sentido de que não se aceita qualquer relação de opressão (seja machismo, racismo e etc.) e concebe que a Justiça Social deve prevalecer em qualquer sociedade, garantindo, assim, direitos fundamentais a todo e qualquer ser humano.
Essa equidade mencionada também é vista dentro das relações de gênero; ou seja, no Islam, homens e mulheres são vistos como seres igualitários, sem quaisquer noções de superioridade, e também são dotados de direitos equitativos. Há 1.400 anos, quando o Alcorão foi revelado, Deus teria se ocupado de garantir que mulheres fossem vistas e respeitadas da mesma maneira que os homens. É nessa época que mulheres muçulmanas recebem o direito a voto, o direito à propriedade e à herança, o direito ao trabalho, o direito ao estudo, o direito ao dote, dentre uma série de vários direitos a fim de estabelecer uma sociedade islâmica pautada na equidade. Nesse sentido, o Feminismo se torna dispensável para o Islam, uma vez que as muçulmanas tiveram sua autonomia, direitos e liberdades garantidas por Deus.
Mas isso quer dizer que o Feminismo e/ou Feminismo Islâmico não é válido? Ou que mulheres muçulmanas não precisam se articularem e nem reivindicarem seus direitos?
A resposta não é nada simples e nem objetiva, pois outras questões precisam ser levadas em conta. Primeiramente, é necessário entender que, de 1.400 anos pra cá, muitas sociedades e comunidades islâmicas foram suprimindo as garantias divinas outrora estabelecidas, principalmente após a extinção dos Califados e a abertura para o Ocidente. O professor e escritor Sherif Abdel Azim sintetiza essa problemática da seguinte maneira:
Devemos esclarecer primeiro, que as enormes diferenças entre as sociedades muçulmanas acabam por gerar generalizações muito simplistas. Há um vasto espectro de posturas em relação à mulher no mundo muçulmano atual. Essas posturas diferem de uma sociedade para a outra e dentro de cada sociedade individual. Contudo, podemos discernir certos traços gerais. Quase todas as sociedades muçulmanas, em maior ou menor grau, se desviaram dos ideais do Islam, com respeito à condição das mulheres. Estes desvios, na maior parte, direcionam-se para uma ou duas direções. A primeira é mais conservadora, restritiva e orientada pelas tradições, enquanto que a segunda é mais liberal, orientada pelos costumes ocidentais
(AZIM, 2013, p. 74).
Outro ponto a ser entendido é que, diante desse contexto em que o Feminismo Islâmico surge e ganha vida, seu objetivo é muito bem definido: Exigir, através de uma interpretação religiosa, que os direitos revelados no Alcorão sejam respeitados e restabelecidos dentro da comunidade. Nesse sentido, o feminismo islâmico não emerge com o intuito de sobrepor o Islam, muito menos para deslegitimar o Alcorão; ele se propõe a questionar sociedades/comunidades muçulmanas que negligenciam a religião e seus ensinamentos tais quais são descritos no Livro Sagrado. Em resumo, o Feminismo Islâmico reivindica a reinstituição dos direitos estabelecidos por Deus, que foram suprimidos pelos homens ao longo do tempo.
Essa corrente feminista, devido a interpretações equivocadas, é alvo de muitas críticas dentro das comunidades muçulmanas, que não entendem o seu verdadeiro propósito. Essas críticas e sentimento de aversão acaba por dificultar o avanço dessa ideia e impossibilita a adesão de muitas muçulmanas que foram/são vítimas desse descaso, mas essa dificuldade não impede as muitas conquistas das mulheres muçulmanas sejam em países de maioria muçulmana ou em comunidades situadas no Ocidente. Nos últimos anos, o mundo presenciou grandes fatos históricos que tiveram notoriedade como a reconquista, pelas mulheres sauditas, de direitos anteriormente perdidos como direito ao voto em 2015.
Logo, é importante se fazer a seguinte reflexão: quem estaria errado, os homens que negligenciam a religião retirando os direitos concedidos por Deus ou as mulheres que reivindicam a aplicação da vontade divina?
Clarice Lima é professora e pesquisadora. Mestra em Linguística Aplicada (PPgEL), licenciada em Letras e Bacharela em Comunicação Social. Ama estudar Feminismo & Islam, assim como identidades femininas islâmicas.
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