Dia 29 de agosto, todos os anos, é celebrado o Dia da Visibilidade Lésbica. Não por menos: nessa data, em 1996, ocorreu no Rio de Janeiro o primeiro Seminário Nacional de Lésbicas, que trazia em si o propósito de discutir questões específicas das vivências lésbicas em todos os âmbitos.
Vinte e quatro anos depois, muitas das questões discutidas por aquelas mulheres em 1996 ainda está longe de ser resolvida. Por isso, resolvemos perguntar às lésbicas dos nossos arredores sobre elas – suas vivências, suas percepções, suas histórias.
Em comemoração ao Orgulho e à Visibilidade de cada uma dessas mulheres e em busca de fortalecimento, a Trama traz, hoje, a voz dessas diversas mulheres lésbicas. Diversas em suas corporiedades, vivências, etnias, localidades, profissões e etariedades – porque as lésbicas estão presentes em todos os locais, todos os grupos, e em todos eles são resistência.
Para vê-las, é só rolar para baixo.
1) Você lembra da primeira vez que ouviu a palavra ‘lésbica’? E da primeira vez que se identificou com a palavra ‘lésbica’? Como isso mudou a sua vida?
“Primeira vez que eu ouvi a palavra “lésbica” eu era muito nova e estava no interior, logo associei a palavra ao que me era mais comum: “Bica”. Isso e mais um pouco de imaginação, me fez acreditar que lésbicas eram as mulheres responsáveis por cuidar das minas que nos forneciam água lá no interior (risos). Eu não lembro a primeira vez que me identifiquei com a palavra “lésbica”, porque tinha medo dela no início – tanto que quando saí do armário, eu não a usei nenhuma vez. Claro, isso mudou radicalmente hoje, mas eu não lembro quando. Eu só sei que hoje eu sou lésbica em todos os lugares; já era antes, mas agora eu faço questão dessa palavra aparecer em todas áreas da minha vida.” – Dani, 24 anos, historiadora
“A primeira vez que eu ouvi a palavra “lésbica”, foi quando eu tinha 12 anos. Eu e uma amiga muito próxima éramos chamadas assim, e da primeira vez que eu ouvi isso, foi pra me ofender – afinal, eu nem sabia o que era isso. A primeira vez que eu me identifiquei com a palavra foi quando eu tinha 23 anos. Eu contei pra minha amiga que achava que era lésbica, e ela fez uma festa gigantesca num fumódromo da balada (risos). Depois foi indo naturalmente. A sorte, o privilégio, foi que isso nunca foi tabu pra minha mãe e pra minha família inteira.” – Helô, 26 anos, Relações Públicas
“Não me recordo da primeira vez que ouvi a palavra lésbica, mas antes disso já tinha ouvido a palavra sapatão. Desde a infância, de forma muito clara, me entendi como uma pessoa que sentia atração por meninas. Mas quando comecei a ouvir e entender o significado de sapatão não me identifiquei logo de cara. Na adolescência, ficava tanto com meninas quanto com meninos, como uma forma natural de explorar minha sexualidade. Até que um dia, eu estava pensando “por que sempre deixo de ficar com algum menino pra ficar e dar atenção para meninas?” e então tive um estalo na mente: “ah, sou sapatão, é isto!”. E na época, o que mudou na minha vida foi a sensação de pertencimento e maior entendimento de mim, mas ao mesmo tempo era desconfortável saber que iriam me colocar em uma “categoria” onde eu seria muito julgada e criticada por ser quem sou.” – Fanny, 28 anos, desenvolvedora de softwares
“Cara, não lembro exatamente quando foi, mas lembro que foi com uns 15 anos que surgiu uma “curiosidade”. Também não lembro quando me identifiquei com a palavra “lésbica”, foi todo um processo aos pouquinhos pra me entender, mas comecei desde novinha. Aos 20 anos, eu já tinha certeza que era lésbica. Sempre fui muito tímida e muito quietinha (quando era mais nova, era mais do que sou hoje), e me entender como lésbica, na época, entre uns 17 e 19 anos, me permitiu ser muito mais sociável, me sentia muito mais livre sendo quem eu sou depois que me descobri.” – Marina, 30 anos, cozinheira e arquiteta
“Eu não me lembro exatamente quando ouvi pela primeira vez a palavra lésbica e nem quando me identifiquei com ela, o que eu lembro foi de descobrir que gostava de mulheres com 18 anos e sentir uma espécie de euforia e medo com isso, não sabia o porque não sabia como explicar e não tinha ninguém pra conversar sobre, eu sempre tive que descobrir sozinha. O que é ser lésbica, o que é gostar de mulher, me apaixonar por uma mulher. Hoje, com 32 anos eu olho pra trás e nem sei como me descobri sem um apoio ou explicação do que é ser lésbica. Mas posso dizer que foi uma libertação na minha vida.” – Patrícia, 32 anos, empreendedora
“Não me lembro a primeira vez que ouvi a palavra lésbica. Mas quando eu era criança, com uns 11 ou 12 anos, fui chamada de sapatão como forma de xingamento por um menino da escola. Ele era mais velho e estava tentando provocar meu irmão, que comprou a briga. Lembro da confusão que senti porque não entendia direito o que significava ser sapatão. A primeira vez que me identifiquei com a palavra lésbica foi após meu primeiro beijo com uma menina. Eu tinha amado! Teve conexão, tesão e envolvimento. A partir disso, minha vida se transformou. Eu, que sempre tinha sido muito fechada, me abri para o mundo. Minha fisionomia mudou e passei a socializar mais. Foi como um florescimento. Eu me senti uma flor desabrochando. E foi algo notável. Um amigo disse que eu era uma pessoa apagada e que, quando me assumi, passei a ter presença.” – Juliany, 26 anos, estudante de Jornalismo
“Devo ter ouvido pela primeira vez na minha adolescência, acompanhada pela frase “essa gente tem uma vida muito difícil, não consegue trabalho, não consegue um relacionamento fixo, etc.” A primeira vez que me identifiquei foi por volta de 2018. Finalmente desconstruí toda negatividade da palavra e abracei! Minha vida ficou mais leve e me senti muito empoderada depois disso.” – Leina, 29 anos, Gestora Empresarial
“Antes de ouvir lésbica, escutei sapatão, vindo de pessoas lesbofóbicas, mas lésbica eu escutei dentro de casa e me recordo bem, eu era pequena e o assunto era uma mulher recém assumida do meu bairro. A primeira vez que me identifique enquanto lésbica parecia que estava saindo um peso muito grande de mim, de fato estava, porque eu neguei por algum tempo que eu realmente era sapatão, entendia que era uma experiência de beijar mulheres, então entender que eu amava mulheres mudou minha vida, meu jeito de estar no mundo, minha autoaceitação e meu amor próprio.” – Duda, 20 anos, estudante de Letras
2) O que é ser lésbica, para você?
“No Brasil, machista e cristão, ser lésbica é resistência diária.” – Dani
“Ser lésbica é ter uma vivência política. Amar mulheres é algo sempre muito questionado pela sociedade patriarcal, não podemos gostar de mulher em sua inteira forma, e por isso que eu acho que a minha vivência, como lésbica, é um ato político.” – Helô
“Lésbica é uma parte do que sou, uma parte que trato com muito apreço e carinho. Lésbicas para mim são pessoas que desde muito pequenas não se encaixam naquilo que a sociedade tradicional espera de uma mulher. Mesmo quando não se trata de sexualidade. Em diferentes graus, a gente destoa, diverge, questiona. O que são processos doloridos, porém fundamentais.” – Fanny
“Ser lésbica pra mim é viver num mundo quase que exclusivamente feminino (no meu meio pelo menos), em que a rede de apoio que rola entre a gente é sempre uma coisa que me dá quentinho no coração (no popular, o rebuceteio que vira uma rede de amizades incrível)” – Marina
“Ser lésbica, pra mim, é ser livre.” – Patrícia
“Pra mim, ser lésbica é literalmente sentir atração física e emocional por outra mulher. E é resistência, também.” – Juliany
“Ser lésbica para mim não é opção, não é orientação, é minha identidade!” – Leina
“Pra mim, ser lésbica é resistir a cada dia pra que o amor que existe dentro de mim possa ser respeitado por todes, é entender esse amor nas multiplicidades de outra mulher e saber que existem muitas de mim, lutando comigo pelos mesmos motivos que eu. Além disso, se afirmar lésbica é dar visibilidade pra que tantas outras se sintam confortáveis e seguras para fazer o mesmo.” – Duda
3) Qual é a importância da visibilidade lésbica para você?
“A visibilidade lésbica é importante porque parece que a gente só pode falar da nossa sexualidade em certos lugares. Não cabe no trabalho, por exemplo, dizer que você é lésbica, como se não fosse relevante. Mas eu sempre quis deixar claro que eu lésbica. Ela é uma forma de lembrar que nossa sexualidade nunca é desvinculada da nossa humanidade. Eu não deixo de ser lésbica quando sou historiadora, aluna ou professora. Sabe aquilo de gente só fala de sexualidade entre a gente, quando vai falar de visibilidade, e eu acho que as pessoas precisam lembrar que estamos com ela todos os dias, no trabalho, na sala, pegando ônibus, indo no correio. Pode parecer besteira, mas acho que é por isso que digo sempre: SOU LÉSBICA, SOU LÉSBICA. É enxergar que a gente é gente.” – Dani
“A visibilidade lésbica é importante pois vai para além da fetichização, além da nossa luta constante. É mostrar que somos mulheres que lutam, mas que também somos plurais e essenciais na desconstrução do patriarcado.” – Helô
“Na minha opinião, o mais importante da visibilidade lésbica é a representatividade para as crianças, adolescentes e até pessoas adultas que se identificam ou irão se identificar como tal. Para que saibam que não estão sozinhas, pois por muito tempo eu achei que só eu era assim, não tinha nenhuma referência. E de modo geral, é essencial para questionar e romper com barreiras que foram colocadas pelo patriarcado e, consequentemente, por religiões e outros tipos de pensamentos que levam ao machismo, à sexualização da mulher lésbica, à lesbofobia e à violência. Para que enxerguem e respeitem a pluralidade de nossa existência. A visibilidade lésbica é um caminho contínuo para a transformação de vivências, iniciado por aquelas que vieram antes de nós, a quem devemos honrar e dar continuidade.” – Fanny
“Acho super importante que exista uma data pra colocar em evidência mulheres que se relacionam com mulheres, sem que isso seja um fetiche dos homens. Acho que todas as questões relacionadas são importantes, tipo a violência que a gente sofre, etc. Mas acho essas datas super importantes pra ajudar a mostrar que é normal mulheres se relacionarem com outras mulheres, que a sociedade tem que parar com essa fetichização de duas mulheres juntas.” – Marina
“A importância da visibilidade é saber que eu não estou sozinha, e que nós ocupamos todos os espaços do mundo, e que não sou inferior a ninguém por ser lésbica.” – Patrícia
“A visibilidade lésbica é importante na luta pelos nossos direitos e para evidenciar questões que são pertinentes a nós, para que possamos avançar. Além disso, ela serve para relembrar as lutas históricas do movimento lésbico.” – Juliany
“Visibilidade e representatividade é imperativo para libertar e empoderar lésbicas de todas as idades nos mais variados lugares do mundo! “If you can see it, you can be it!”” – Leina
“A visibilidade lésbica é importante simplesmente pra mostrar que a gente existe, já que muitas vezes as pessoas fingem que não existimos, nos colocando no mesmo potinho “gay”, no mesmo potinho que sofre “homofobia” ou em potinho nenhum. É importante esse dia para mostrar que somos LÉSBICAS, sofremos LESBOFOBIA e existimos! Os nomes precisam ser usados de maneira correta pra que não sejamos apagadas e silenciadas. Espero que essa data a cada ano se torne mais visível para que nós sejamos mais respeitadas nessa sociedade que fetichiza nosso amor e não valoriza nossa existência.” – Duda
Ter orgulho e ser visível enquanto quem você é, sem dúvidas, são ferramentas principais para a criação do reconhecimento social de uma identidade e para o combate aos preconceitos. Enquanto partes de uma minoria, celebrar quem somos é essencial para que mais pessoas possam viver com dignidade e justiça.
Encerro, então, com a fala de duas mulheres lésbicas, que inspiram e fortalecem a mulher bissexual que aqui vos fala através de suas vidas e obras lésbicas.
“(…) os processos de identificação e as políticas de reconhecimento são uma necessidade e urge a construção de múltiplos modelos. Quanto mais opções disponíveis, mais possibilidades para exercício da sexualidade. (…) Trata-se da existência de um número tal de modelos e padrões tanto quanto fosse a quantidade de tipos de pessoas que podem existir, onde quer que estejam e da maneira como desejarem ser. Trata-se de ter como modelo o não-modelo. ”
(AUAD; LAHNI, 2013, p. 124)
Sobre a Entrevistadora
Carol Cadinelli é jornalista, apaixonada por palavras. Escreve, edita, revisa, traduz e, vez ou outra, fotografa. Atua como Social Media na Peregrina Digital, assistente de edição na Trama e escritora nas horas vagas.
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