Diana Gabaldon escreveu um romance que ultrapassa os limites de espaço-tempo chamado “Outlander”. Certa vez, uma das personagens gritou com toda força de seus pulmões em meio ao infinito do Oceano Atlântico: “Uma história contada é uma vida vivida”.
Esse pensamento ecoou no meu coração, fazendo então uma vida inteira ter sentido. Contar nossas histórias é como deixar nossas impressões digitais em outro coração, e é isso que Ordália, 73 anos, nascida no estado do Paraná, vive no Rio Grande do Sul, por escolha de alma.
“Vou contar minha história porque hoje tenho a coragem que bebi aos poucos ao longo de uma vida inteira.
Nasci no estado do Paraná, num vilarejo que hoje já não existe. Meu pai era italiano, casca grossa. Já minha mãe, espanhola e de mão macia que me ensinou o que é o amor. Éramos muitos irmãos e irmãs num casebre que dava para espiar a lavoura de algodão pelas frestas. Aos 5 anos, minha mãe faleceu e foi a maior dor que já conheci… Ficamos todos com o pai e tínhamos que trabalhar na roça de sol a sol. A colheita do algodão machucava minhas mãos e entre uma ferida e outra, eu e meus irmãos brincávamos de correr e de se esconder nas árvores. Comíamos manga direto do pé e lá de cima das copas avistava um horizonte infinito mas que para mim não passava dum olhar admirado. Nunca sairia de lá.
O pai veio de uma educação rígida, pensava que educação era no grito e eu não tinha ninguém pra conversar da vida. Sofria e chorava muito até que descobri um amontoado de madeiras que ficava no meio do campo, e á noitinha eu ia pra lá sentar e olhar para o céu estrelado. Contava as estrelas e me perguntava se uma delas era minha mãe, se eu conheceria pessoas além da porteira, se um dia teria amigas para brincar e comer sorvete. As estrelas me eram as mais fiéis companheiras principalmente nas noites de verão, que pareciam brilhar ainda mais.
Anos mais tarde, fomos morar na cidade e pude me sentir esperançosa com a vida! Pois tinha amigas, íamos à missa e no mês de Junho tínhamos quermesse e fogueira no chão. Cheiro de pipoca doce no ar. Ahhh… Parece que volto lá para 1955. Mais tarde, casei com uma pessoa que me trouxe muitas dificuldade mas juntos conseguimos superar tudo. Tive 4 filhos que foram meu combustível de vida e sempre trabalhei duro para criar eles dentro da honestidade de tudo o que eu podia. Costurei, cozinhei, de tudo um pouco fiz. Mas sonhava mesmo era em trabalhar fora, ter meu próprio dinheiro, melhorar nossa vida.
Passamos muito trabalho que, se eu for te escrever aqui, ficaria por horas. Mas eu consegui! Foi limpando e zelando pela higiene dum hospital que conquistei nossa casa própria e sustento tudo até o dia de hoje.
Sou uma vencedora e falo isso de olhos marejados. Nunca deixe de lutar!”
A história que tu acabaste de ler faz parte da aldeia de relatos que formam o projeto Caçadora de Histórias, que acontece lá no Instagram. Sou movida por gente e suas jornadas de vida, desde pequena sempre fui muito ouvinte e percebia que as pessoas contavam suas histórias com uma falta de brilho no olhar. Então eu repetia para elas o que acabara de ouvir, só que pela minha perspectiva. Depois disso, passavam a perceber o quão potentes e protagonistas de suas vidas essas pessoas eram. Com o passar do tempo fui escrevendo essas histórias todas a próprio punho e este ano, me vesti de coragem e levei o projeto para a rede social e estou tendo uma receptividade que nunca imaginei.
Tu escolhe alguma história que queira partilhar e envia. A partir disso, escrevo-a com minhas próprias palavras te ajudando a ter um novo olhar sobre tu mesma (o). É um processo de cura de feridas, terapêutico e libertador para ambas as partes.
Victória Vieira é escritora e idealizadora do projeto Caçadora de Histórias. Caçando e ouvindo histórias, vou escrevendo a tua com minhas palavras e te ajudando a ter um novo olhar sobre ela. Siga o projeto no Instagram.
Galeria: artistas pra seguir na quarentena
Apoie pautas identitárias. Em tempos de cólera, amar é um ato revolucionário.