Primeiro eu apaguei as palavras, depois eu apaguei a companhia e, agora, eu apaguei a minha voz. Escrevo num vazio imenso, coisas rasas num silêncio profundo, quase ensurdecedor, de não sentir nada. Anestesiada. Eu sempre preciso de um tempo, canso de tudo, mas quando quero voltar é tarde. Eu já perdi, não está mais comigo. Às vezes, demoro pra perceber; outras, é no segundo seguinte, no dia, no máximo. Mas quando isso acontece aqui dentro: cansei de mim, enchi o saco mesmo, quero distância da minha cabeça. Será que vai ser tarde quando eu quiser voltar? Vou querer? Não tem vida nesse quarto além de um peixe. Também não tem nem um grão de poeira, eu limpei tudo; inclusive as lembranças. Nada mia, nada fala, quando algo cai causa eco, mas o que poderia cair? Está tudo no seu devido lugar. Eu longe até mesmo de mim. Tudo funciona como um museu. Nada rima, não há som emitido daqui. Não ouço nem as batidas do meu coração. Por dentro, eu morri e, quando vejo, por descuido, o espelho em frente à cama, vejo que por fora também.
Geara Franco é jornalista, macramística e poetisa nas horas vagas.
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