Falar ou não falar sobre o Coronavírus: eis a questão.
Bem, a pandemia não é notícia nova. Para mim, já são seis meses e meio de quarentena-na-medida-do-possível – que, no meu caso, é bem mais que o possível para a maioria da população; para uma galera, já são bem mais.
As notícias sobre vacinas, discussões sobre tratamentos possíveis, informações sobre medidas políticas e individuais para a prevenção de contágio, essas também já não são novidade; mesmo as notícias novas, sobre avanços no desenvolvimento das vacinas, já chegam velhas aos nossos ouvidos. Tudo parece igual, e parece que nunca vai acabar – ou que já acabou.
Pois bem. Ainda não acabou, não, essa tal de quarentena. A gente ainda deveria estar em casa tanto quanto possível; usando máscara nas poucas vezes que sai; passando álcool gel nas mãos, e higienizando tudo que é superfície; mantendo distância. Mas em vários lugares, é como se tivesse acabado.
Vou contar dos locais em que vivo:
Em Juiz de Fora, os bares já estão abertos; e vocês não imaginam a minha surpresa no sábado passado, ao finalmente levar minha cachorra pra passear na pracinha (depois de muito relutar) – eu toda cheia de dedos, máscara e distanciamento -, vendo o nível de lotação das mesas do tradicional Bar du Leo. Depois da surpresa, veio a inveja de quem estava ali, tomando uma geladinha, comendo o melhor pastel da cidade, com tranquilidade. Em outros contextos, vejo os amigos falando de tomar uma caip ali no Rise, como costumávamos fazer todas as quintas-feiras. Tudo bem que ninguém aguenta mais ficar presa (eu inclusa) e que os bares estão tomando suas medidas de segurança. Mas queria, eu, me sentir segura pra essas coisas.
Em Guarulhos, o forró no Bar do Vandeko embalava as minhas noites em casa de quarta a domingo. Ir ao supermercado demandava uso de máscara; mas só, também. De resto, todo mundo de cara livre – o que me faz questionar como a minha sogra anda conseguindo vender as tantas máscaras que produz. As conduções para e de São Paulo, cheias. As tabacarias do Alvorada, cheias também.
A questão é que, independente do que as pessoas andam fazendo, as notícias permanecem as mesmas: ‘Brasil chega a 5 milhões de casos do COVID’; ‘Já são quase 150 mil mortes por Coronavírus no Brasil’; ‘Ministério da Saúde permanece sem ministro’; ‘A vacina inglesa continua em fase de testes’; ‘Tratamentos experimentais continuam sendo aplicados em pacientes com Coronavírus’. Na verdade, existem umas diferenças dessas manchetes que eu tirei de trás da minha orelha para as manchetes reais: elas continuam chamando o COVID de “Novo Coronavírus”. Mas novo pra quem, gente? Já estamos em outubro, e embarcadas nessa onda desde fevereiro. Presas em casa desde março. A gente não aguenta mais falar de COVID.
Mas se não falamos, estamos sendo omissas. Se não falamos, é como se tivesse acabado, e todos pudéssemos retomar nossas rotinas pré-pandêmicas – o que já vem ocorrendo na maioria dos locais, para preocupação daqueles que ainda buscam se proteger, proteger aos seus, e das autoridades de saúde em geral [não vamos entrar aqui nos específicos relacionados às opiniões de vocês-sabem-quem].
Tenho motivos para acreditar que o desejo mais honesto da maioria de nós, jornalistas, nesse momento, é poder não falar nunca mais sobre o Coronavírus. Mas enquanto jornalistas, não podemos nos dar ao luxo de ficarmos omissas diante de uma situação que coloca em risco as vidas de milhões de pessoas – ainda que ninguém mais aguente falar disso, inclusive nós.
Carol Cadinelli é jornalista, apaixonada por palavras. Escreve, edita, revisa, traduz, atua e, vez ou outra, fotografa. Atualmente, é editora na Trama e escritora nas horas vagas.
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