Frente aos acontecimentos recentes em torno da decisão por leiloar a Casa D’Itália de Juiz de Fora, membros da instituição e da sociedade civil se mobilizaram em prol da preservação do símbolo cultural, localizado no coração da cidade
Há oitenta anos, a cidade de Juiz de Fora acolhe um importante centro de preservação e difusão da cultura italiana no país, a Casa d’Italia de Juiz de Fora. Criada sob um contexto fascista, o local tinha por intuito, reunir os italianos que viviam fora de seu país de origem, para que pudessem manter seus costumes e apoiar o regime instaurado na Itália. Com o passar dos anos, algumas características da Casa foram se transformando, exceto seu empenho em conservar e promover a cultura italiana.
A Origem e a História da Casa D’Italia
A presença de imigrantes italianos em Juiz de Fora se tornou significativa a partir das últimas décadas do século XIX, quando muitos chegaram para trabalhar nas lavouras de café da região e outros, atraídos pelo desenvolvimento urbano, desempenharam inúmeras funções no comércio e indústria local. Como herança da atuação dessas pessoas pelo município, vemos ainda hoje seus traços na arquitetura, arte, culinária, costumes, festas, danças e músicas.
Nos anos de 1930, com a finalidade de aproximar os italianos que viviam fora da Itália, o Governo Fascista de Mussolini, incentivou a construção das “Casas da Itália”. Entre os principais objetivos desse projeto estavam à ampliação do controle sobre as associações das colônias e criação um espaço em que se pudessem celebrar as datas do regime.
Deste modo, vários imigrantes e associações italianas se mobilizaram pela causa e investiram na construção da Casa d’Itália de Juiz de Fora. Assim, em 1933, foi adquirido o terreno e logo deram início à obra. Sob a responsabilidade da Companhia Industrial e Construtora Pantaleone Arcuri, a construção foi erguida em 1936, com um projeto em estilo Art Déco, realizado pelo arquiteto Raphael Arcuri. Para colaborar com a iniciativa, o Governo italiano enviou 50 contos de reis e os letreiros, que se encontram na fachada do prédio.
A inauguração da Casa d’Italia de Juiz de Fora ocorreu em 1939, trazendo como os principais objetivos, auxiliar e unir a colônia italiana da cidade. Naquela época, as suas funções eram a instrução, escola, biblioteca, hospital, beneficência, lazer e esporte. Para abrigar todas essas atividades, o prédio contava com dois andares e um subsolo. Além disso, a Casa também possibilitou a interação entre os imigrantes e a população local.
Durante a II Guerra Mundial, o espaço foi tomado pelo Governo brasileiro, passando a servir como Circulo Militar. Ao final do conflito, a Casa pode retornar as suas funções. Manteve-se auxiliando as famílias dos imigrantes e propagando a cultura italiana através de aulas do idioma italiano, danças, músicas e pesquisas. Contudo, o que outrora a ligava governo fascista, passou, a partir de então, a compor um centro de convivência e de aprendizado democrático e sem fronteiras.
Em 1985, através do decreto 3.359, o imóvel foi tombado como patrimônio da cidade de Juiz de Fora, com a justificativa de ser um “marco da presença e da relevante contribuição da colônia italiana para o desenvolvimento do Município e o valor artístico”. Portanto, fica claro que a Casa d’Italia proporcionou a criação de vínculos afetivos através da cultura italiana, se materializado em uma arquitetura excepcional, que documenta um período histórico.
A Casa D’Italia Hoje
Atualmente, a Associação Ítalo-Brasileira San Francesco di Paola é a mantenedora do espaço que abriga o Departamento de Cultura, biblioteca, a capela de San Francesco di Paola, a agência consular – vinculada ao Consulado da Itália de Belo Horizonte – o curso de língua italiana “Cultura Italiana”, o grupo de dança folclórica italiana Tarantolato, o Coral Itália Tra Noi, o grupo de bordadeiras, o time de bocha “Casa D’Italia JF”, uma escola de pizzaiolo e um atelier de artes. Além destas atividades, a Casa também promove uma série de eventos típicos, palestras e festas que promovem a cultura italiana.
A partir deste breve histórico, torna-se necessário contestar a recente decisão do Consulado de Belo Horizonte, em colocar em leilão a Casa D’Italia de Juiz de Fora que foi doada simbolicamente, no passado, para o governo Italiano para fins de preservação. A sua importância envolvem aspectos patrimoniais e afetivos que englobam a cidade, os descendentes da coletividade italiana e as famílias que se uniram para construir esse espaço de cultura. Em 81 anos, a Casa D’Italia de Juiz de Fora viu as diversas transformações da história e hoje é um símbolo da resistência, da luta pela preservação da memória dos imigrantes italianos da cidade e região.
Referências
BERTANTE, Rafael de Souza. Um olhar sobre a sociabilidade italiana em Juiz de Fora: italianos maçons e a “Unione Italiana Benso di Cavour”. Dissertação (Mestrado em História). UFJF, Juiz de Fora, 2017.
CASA D’ITÁLIA. Disponível em:<https://casaditaliajf.wordpress.com/Sobre>
OLIVEIRA, Roberta. Juiz de Fora 169 anos: parte da história da cidade se passa pela Casa d’Itália. Disponível em: <https://g1.globo.com/mg/zona-da-mata/noticia/2019/05/31/juiz-de-fora-169-anos-a-busca-e-possibilidades-de-novas-historias-na-casa-ditalia.ghtml>.
PATRIMÔNIO CULTURAL. CASA D’ITÁLIA – DOMUS ITÁLIA. Disponível em: <https://pjf.mg.gov.br/administracao_indireta/funalfa/patrimonio/bens_tombados/casa_italia.php>
FERENZINI, Valéria Leão. Os italianos e a Casa d’Italia de Juiz de Fora. In: LOCUS:
revista de história. Juiz de Fora, v. 14, n. 2p. 149-159, 2008.
OLENDER, Marcos. “Pedra miliar da nossa arte e da nossa estirpe”: A Casa d’Itália de Juiz de Fora. In: LOCUS: revista de história. Juiz de Fora, v. 14, n. 2 p. 161-185, 2008.
Rafael Bertante é Mestre, Licenciado e Bacharel em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Cursa, atualmente, Doutorado em Ciência da Religião pela mesma instituição, e integra o Departamento de Cultura da Casa D’Itália de Juiz de Fora.
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