Refletindo sobre a minha vida carnal, compreendi que as experiências são como um salto, realizado de um trampolim bem alto, rumo a águas profundas. Lá de cima, em queda livre, não dá pra saber se serão águas calmas ou agitadas, tampouco premeditar um bom mergulho ou um afogamento – pois a distância deturpa os olhos, embaça a vista, e pode confundir as coisas. Acreditem, como boa míope, entendo a dificuldade de enxergar o que está ábdito.
Certa vez, pronta para pular, e olhando para baixo, me deparei com a dificuldade de enxergar. Somada às minhas perspectivas diante de experiências traumáticas, ela me colocou em uma posição onde acreditei que escolher as coisas “certas” me faria viver plenamente, feliz. Pulei.
Me afoguei. Me arrastei até a margem e sentei na borda, com um murmúrio nos ouvidos me dizendo para continuar ali. E eu continuei. Pulei diversas vezes do mesmo lugar, caindo sempre da mesma maneira, no desespero sufocante das águas turbulentas que eu já conhecia, mas me negava a enxergar.
Chegou o dia que, voltando para o trampolim, pronta para reiniciar minha queda livre até o afogamento, surgiram novas escadas, que antes não estavam ali. De pronto, não quis arriscar mudar de caminho, nem tampouco pular ao encontro do desconhecido; mas, ao subir as escadas, vi a beleza de uma nova altura, a cor do céu, a disposição dos objetos, e até música ao fundo era mais bonita. Algo, porém, me chamou mais a atenção; não as cores e sons, mas um sorriso, que me chamava na borda da prancha, fazendo tudo parecer um sonho.
Fui ao seu encontro, troquei palavras, e fui questionada sobre quais eram meus caminhos. Foi quando o belo sorriso, que fazia parte de uma composição corpórea, me deu um beijo e pulou, de uma altura extraordinária, que eu jamais tinha visto. Não olhou para trás. Não existia medo em seus olhos.
Olhei a altura daquela nova vista e voltei às minhas escadas, caminhando até o trampolim habitual. Não pude pular. Até corri, por impulso, mas parei na borda. Nesse momento, com os olhos cheios de lágrimas, me despi de tudo que me prendia ali. Desci as escadas sem olhar para trás. Sem medo nos olhos, decidi escolher meu caminho, e eu já sabia qual era.
Fui até o trampolim mais alto. Respirei todo ar que pude e pulei, de braços abertos ao encontro da água – que desta vez não me engoliu ou afogou, mas me proporcionou um bom mergulho.
A liberdade é a queda que escolhi viver. Ela me guia por águas profundas, além de tudo o que já havia visto ou sentido, rumo a novos caminhos e amores.
Lauana Coutinho é casada com a História e amante da música. É historiadora pela Universidade Cidade de São Paulo (UNICID), pesquisadora do período que vigorou a Ditadura Militar no Brasil e escritora sensível no pouco tempo que sobra.
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