Um bebê começa a se preparar para vir ao mundo quando a gestação beira os nove meses.
Estamos entrando em trabalho de parto, porque logo nascerá uma humanidade restaurada, esperamos.
Há exatos nove meses, o coronavírus se espalhou na velocidade da luz mundo afora, e tivemos que nos adaptar á uma nova realidade. Desde a higiene das mãos, uso de máscara e isolamento social até transformações mais profundas.
Descobrimos que cuidar da gente é cuidar do outro, e a palavra “empatia” nunca foi tão compreendida e posta em prática.
Assim como todas as descobertas feitas ao longo da História, é preciso pôr em prática; caso contrário, não irá perdurar. De nada adiantará todo o remanejo feito em nossas vidas se não mantivermos tais condutas e consciência daqui para frente.
A pandemia nos fez recalcular a rota, desacelerar, respirar. Fez sermos humanos.
A última história do ano vem como um alerta, um bálsamo e um lembrete para seguir e jamais sermos os mesmos.
Somos sobreviventes e, por isso, seremos a nossa melhor versão, todos os dias.
Vem comigo?
“Sempre acreditei nas coisas abstratas e não tocáveis.
Me encanta a magia, o mistério do desconhecido e a profundidade da vida. E, das coisas intocáveis, a mais preciosa para mim sempre foi a fé. Tenho um Deus que habita meu coração e que, todo fim de noite, escuta meus agradecimentos. Na verdade, mais agradeço do que peço qualquer coisa e respeito todas as potências espirituais que habitam esse mundo.
Então veio a pandemia, e ela me fez perder tudo isso: fé, esperança, positividade, ânimo. Por todos os lados, só o que eu via era muita dor e tristeza.
Meus dias sempre começavam com vontade de fazer a diferença, e felicidade mesmo era abrir as janelas e ver o sol se espreguiçar pela sala. Tudo isso passou a ser desgastante. Me sentia caminhando de sapatos na água: pesada, exausta e sem sair do lugar.
Eu não conseguia ver coisas boas; parei de agradecer. Uma sombra muito grande tomou conta da minha vida. Senti isso chegando, me assustei e não fugi. Ser sempre positivo cansa, e é necessário receber e acolher a vulnerabilidade. Fiquei lá, na caverna escura, sozinha, e tudo começou a passar na minha frente como um filme até que o estalo veio: mudar.
Mudar de dentro pra fora. Crenças, móveis, plantas, o rumo.
A mudança é a única coisa que nunca muda nas nossas vidas, e foi nela que encontrei minha cura, o retorno para casa e a visão de um mundo que passou por uma gestação dolorida, sem expectativas, e que se prepara para parir uma humanidade que salvará tudo.
Se isso é verdade? Não sei. Mas sempre irei me segurar à esperança, ao que é positivo, ao que nos impulsiona pra frente.
A sombra é necessária, pois sem ela nunca saberíamos o que é a luz. Se tu precisar te retirar, ir pra caverna, ter só a própria companhia por um tempo: vá. Mas de vez em quando, vai à porta para ver o céu… Ele ainda estará ali, infinito e misterioso, te esperando.”
Como comentei na introdução e a história por si mesma retomou o tema, tudo isso se trata de uma gestação, um nascimento que logo vai acontecer. Chegamos à reta final e é preciso respirar fundo, pôr os pés pra cima e levar um punhadinho de lavanda ao nariz para que acalme e traga leveza.
Esse é o último texto do ano, e foi uma honra trazer histórias imperfeitas de gente real aqui para esse espaço tão democrático e que estimula o pensamento crítico, filosófico e acima de tudo, humano.
Meu muito obrigada à Poliana Lopes, do ateliê Arte Bodoque, que generosamente me convidou e sugeriu que o Caçadora de Histórias – O Projeto virasse coluna; à Carol Cadinelli, que todas as Sextas-Feiras recebia o material como quem chega de surpresa para tomar um cafezinho recém passado; e à toda equipe da revista TRAMA: esse conteúdo é necessário e urgente.
Só tenho a agradecer também a todas as leitoras e leitores e à minha família, que todos os domingos espera o relógio bater 18h30 para ver qual história será contada.
Espero que todes estejam bem na medida do possível e, se não estão, que tenham fé de que ficaremos. Cedo ou tarde, ficaremos. Um gentil e menos dolorido fim de 2020 pra gente.
Victória Vieira é escritora e idealizadora do projeto Caçadora de Histórias. Caçando e ouvindo histórias, vou escrevendo a tua com minhas palavras e te ajudando a ter um novo olhar sobre ela. Siga o projeto no Instagram.
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