[ENTRELINHAS] Poética política: ‘Um útero é do tamanho de um punho’

Ainda que presente em todos os setores da vida e em todos os quadros do cotidiano, ela divide opiniões. Há os aficcionados por ela e há os que a recusam. Há os que só a aceitam em formas conservadoras: só pode ser feita sob regras claras e valores exatos; outros, tomam para si a defesa das transgressões, das reorganizações e reconstruções. E sua existência é impossível de ser ignorada – não importa qual seja o seu posicionamento em relação a ela.

A poesia e a política possuem mais em comum do que se imagina.

Não atoa, cada vez mais poetas vêm fugindo das formas conservadoras em nome de estruturas mais adequadas aos temas que lhes são urgentes.

Poesia já deixou de ser sinônimo para lirismo faz tempo; e a estrutura da ‘poesia moderna’, ainda que pareça quebradiça a olhos acostumados com redondilhas e alexandrinos, comunica intensamente em sua possibilidade de desorganização. Pode entrar, Angélica Freitas.

Angélica Freitas, poeta e tradutora.
Foto: Reprodução – Youtube

Meu primeiro contato com o texto de Angélica Freitas foi em 2015; em um exercício de leitura na aula de Comunicação e Expressão Oral, uma colega de turma recitou ‘Eu Durmo Comigo’. Foram cinco anos com aquele texto na cabeça – e procurando o bendito livro sempre que me lembrava do poema. Ao final de um ano difícil como 2020, por fim, me dei de presente a obra que povoou o meu imaginário por tantos anos; finalmente, ‘Um Útero é do Tamanho de um Punho’ passou a compor a minha biblioteca.

Publicado, originalmente, pela Cosac Naify em 2012 – e lindamente reeditado pela Companhia das Letras em 2017 -, ‘Um Útero é do Tamanho de um Punho’ é composto por poemas que muita gente diria que, de poesia, não têm nada. Para mim, porém, os traços que diminuiriam a poesia nos textos de Freitas são, talvez, os que mais me encantam nos poemas: os momentos em que a rima não existe, em que o ritmo descompassa, em que o vocabulário desconforta, em que a urgência ultrapassa o discurso e atinge, em cheio, a forma. Forma, essa, construída de forma surpreendente pela autora para apontar as falhas na construção que se fez e se alimenta em cima do ‘ser mulher’.

Em versos livres, Angélica Freitas coloca a mulher idealizada frente a frente com a “serpente com a boca cheia de colgate”, aquela que é real – e, ao contrário do que alega no poema, diz, sim, coisa com coisa; escreve, sim, muito que presta. Aliviar as massas? Não sei. Mas a cobra que me habita, com certeza, foi seduzida.

‘Um Útero é do Tamanho de um Punho’ está disponível em formato digital e físico no site da editora e em diversas livrarias. Leia um trecho do livro gratuitamente aqui.


Carol Cadinelli é jornalista, apaixonada por palavras. Escreve, edita, revisa, traduz e, vez ou outra, fotografa. Atualmente, é editora, colunista e repórter na Trama.


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