Benedito José Tobias, nascido em 1894, se dedicou ao exercício de retratar. Rejeitando exclusão, a mulher negra e idosa é sujeito de sua obra pictórica.
O Brasil, marcado por desigualdades, desenha, em um caminho biológico natural, velhices distintas. Envelhecer pode significar, mais uma vez, frente a depreciação social, se tornar, cada vez mais, invisível.
No retrato de título desconhecido de 1962, óleo sobre madeira aglomerada, temos no primeiro plano a figura de uma mulher de idade e, variando do recorrente fundo monocromático das pinturas de Tobias, no segundo plano observamos o que parecem ser folhas de bananeiras. A mulher retratada está inteiramente vestida de branco, – seria uma sexta-feira? – brincos perolados nas orelhas, um olhar cansado, talvez pelo exercício característico do trabalho doméstico ou do cuidado com as crianças.
A leitura que faço é a de que essa senhora representa conhecimento, carregado por anos, e ela também representa a potência de os transmitir para as próximas gerações, sem deixar, não só nossas histórias, mas nossas crenças, entendimento de mundo, morrerem. Para além de “mãe preta”[1] ou de “tia Nastácia”[2], podemos interpretar a pintura como uma concepção do saber empírico, fruto do conhecimento da vida, pelo seu exercício real.
Antítese da branquitude e da masculinidade, essa anciã é a excelência da beleza das formas e dos traços do tempo, por fora e por dentro.
[1] Um dos estereótipos dos escravizados, a “mãe preta” era imaginada como uma negra dócil, “domesticada”, corpulenta, supersticiosa, a ama-de-leite de índole fiel.
[2] Personagem da série de livros infantis de Monteiro Lobato, Sítio do Pica-Pau Amarelo, publicados entre 1920-1947. Nas próprias palavras do escritor, a Tia Nastácia era “a negra de estimação” da família que morava no Sítio. (LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. São Paulo: Círculo do livro, 1986.)
Carolina Cerqueira é artista visual e pesquisadora. Doutoranda em Artes, Cultura e Linguagens pela UFJF.