Cigarro Turvo

A pausa é para incandescer o entorpecente. Fixar-se na realidade e fugir dela, ao mesmo tempo.  A distorção, a confusão do interno, ela pede por uma âncora que coloque as coisas em ordem. E o quão interessante é que logo um cigarro, um, cigarro, um. Um cigarro, que interfere tanto nos sentidos e na percepção, seja a âncora perfeita?

Acende.

Turva-se o externo, endireita-se o interno. O quão ilusória é a sensação de ordem, de paz, que isso traz?

Traga de novo, atenção plena no detalhe do sabor. Medita pra perder o medo da ilusão. Tudo é ilusão, tudo é viés, tudo passa pela lente da pessoalidade. O cigarro só ajuda a embaçar o externo. E aí, é lei de refração: quando os meios possuem a mesma densidade, a luz não sofre desvio. Turvo dentro, turvo fora; os números batem e a inquietação do erro se esvai. Em iguais níveis de distorção, o interno e o externo se equilibram.

Ancorada, aceita que o equilíbrio vai ser sempre turvo. Que a tranquilidade nasce da certeza relativa, incerteza absoluta.

Apaga.


Carol Cadinelli é jornalista, apaixonada por palavras. Escreve, edita, revisa, traduz e, vez ou outra, fotografa. Atualmente, é editora, colunista e repórter na Trama.


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