Nossas mãos são ferramentas sagradas. Em diversos povoados e tribos ao redor do mundom, as mulheres mais velhas, matriarcas de longas saias coloridas, costumam ler as palmas das mãos das pessoas para fazer previsões; os trabalhos que são feitos de forma artesanal e sem máquinas são os que atraem olhares de admiração; quando sentimos afeto por alguém, seguramos sua mão.
A gente faz carinho nas orelhas finas e macias dos cachorros, aponta para chamar o ônibus e afaga a barriga que cresce durante nove meses.
Quem não tem uma ou as duas mãos, sofre nesse mundo. Mas se adaptam, porque de alguma forma elas ainda estão ali.
O toque transforma, e isso foi o que essa mulher doce e corajosa fez.
Deborah Rocha nasceu em Belo Horizonte- MG, na despedida da década; o ano era 1989.
Cresceu com a mãe, o pai e o irmão mais velho num lar repleto de aconchego e olhar para o horizonte. Seus pais e um tio muito querido (in memoriam) foram leitores praticantes e passaram todo esse valor para ela desde cedo. Antes mesmo de saber o que estava escrito naquelas páginas amareladas pelo tempo, ela já sentia que era precioso. A leitura a salvaria, mais tarde.
Deborah foi uma criança criativa e curiosa, que imaginava histórias em cada riacho cristalino em que saltitava na fazenda. Ela, porém, cresceu, e aquela menina inquieta e sonhadora foi adormecendo.
Se formou em Psicologia na UFMG, mas não exerceu a profissão. Em seguida, cursou uma pós-graduação em Gestão de Negócios e trabalha, até hoje, como gestora de projetos culturais.
O tempo foi passando, e Deborah continuou se alimentando de água, comida fresca e poesia. Não existem Deborah e Literatura separadas; é tudo um nó só, que, conforme a vida foi acontecendo, se tornou um belo laço, que enfeita e dá propósito á sua vida.
Deborah sempre quis fazer algo que envolvesse amor, sentido, tato humano. E foi quando trabalhava numa agência de publicidade e revendia joias como uma fonte extra de renda que recebeu o sacolejo que transformaria a sua vida.
Tive a oportunidade de entrevistá-la; e foi uma troca tão generosa que me senti abençoada por poder trazer para vocês parágrafos dessa mulher, que é pura leveza e sotaque mineiro, uai.
1) Quando sentiu o despertar para mergulhar no que faz teu coração vibrar?
“Minha mãe, meu pai e meu avô sempre leram muito, e eu tinha um tio muito querido, que já faleceu, que transformou um apartamento em biblioteca, com mais de 20 mil livros. Então, uma amiga muito querida sugeriu unir literatura, desenho e criação de joias. Foi dessa mistura que nasceu o “Joias com Poesia” – sendo que foi todo um processo de autoconhecimento, de assumir que dá pra fazer o que a gente gosta e ganhar dinheiro com isso. Dá pra ser criativo, responsável até que chega a hora que temos que dar um passo corajoso.”
2) Quem é a Deborah quanto está criando uma joia?
“Eu sou a Deborah da minha infância.
Ao longo da minha vida adulta, logo depois da faculdade, fiz cursos de escrita criativa que me levaram a retomar que escrever é de alguma forma colocar seu ponto de vista. Não necessariamente argumentativo – e nem vou falar político, porque político a gente é em tudo e até quando não coloca o ponto de vista. Mas colocar aqueles detalhes, as percepções e a imaginação que você tem do mundo. Meus primos riam porque eu falava sozinha, com as plantas (risos).
Em qualquer lugar e a qualquer momento, eu imaginava uma história, uma circunstância que não estava acontecendo ali. Sempre tive muita facilidade pra inventar histórias, cenários, e para reparar em pequenas coisas. Quando entendi que meu diferencial se daria se eu colocasse isso em tudo que criasse, percebi que isso tinha um valor único; porque cada um vê o mundo de forma única. Foi aí quando entendi que eu tinha que reencontrar aquela pessoa que fui, porque ela ficou apagada por um tempo até eu voltar a acreditar que é isso, que tenho que arriscar, expressar o jeito que vejo o mundo: engraçadinho, poético, que nunca tinha explorado antes.
Voltando à pergunta: Sou a Deborah de 7 anos correndo na fazenda, vendo beleza em tudo, falando sozinha, imaginando personagens, brincando com os livros da minha mãe, vestindo os sapatos grandes dela, mexendo nos temperos do meu pai e qualquer outra coisa que me desperte um sentimento gostoso ou até forte.”
3) O que diria para ti mesma daqui 10 anos?
“Adoro não saber o que vai acontecer. Sabe, assim… Quais surpresas a vida “tá” guardando pra mim, pra gente? Gosto da imprevisibilidade, isso tem muito a ver com a minha curiosidade.
Tudo pode acontecer, tudo é possível se a gente quiser. Espero que esses 10 anos tenham sido de mais autoconhecimento e mais encontros com o que eu amo e com o que importa na vida, que tenha lido muitos livros e vivido muitas aventuras.”
4) O que é o “Joias com Poesia” pra ti?
“É a materialização do meu amor pelos livros, isso é fato. Nunca achei que fosse viver de desenhar e criar objetos, mas criação tá em mim, no meu corpo. As histórias, o contexto, esse viés imaginativo de quem cria, isso é muito meu. O “Joias com Poesia” foi quando entendi que podia compartilhar esse amor, esse sonho e essa admiração eterna que tenho pela arte e pelo mundo com outras pessoas que também sentem e se identificam com isso. Claro que a estética, as coisas bonitas, elas são importantes, e às vezes, acho que arrisco e quero arriscar cada vez mais.
Mas, tem um sentimento por trás sabe? Que é com amor, mesmo. É uma paixão; um sentido de vida, eu diria.
Essa minha marca, o universo literário e a arte foi o que deu sentido para a minha vida. E a gente nunca constroi as coisas sozinho, né. Se minha grande amiga não tivesse feito essa leitura, tido essa sacada, talvez nunca teria sido possível. Vi que é verdade, dá pra misturar tudo. Temos que ter essa audácia.”
5) Que marca tu quer deixar nas pessoas que estão chegando até ti, contratando teu trabalho?
“Quero que elas recebam esse sentimento que ‘tô’ tentando expressar com o que crio. Quero que a poesia da vida chegue nas pessoas como um produto durável, com significado, que vão carregar e sentir algo. As coisas que a gente se identifica têm mais durabilidade, e até a escolha dos metais que trabalho tem a ver com isso. Porque prata e ouro, você pode reaproveitar, dar uma manutenção e usar pra sempre. A marca que quero deixar é essa: que a vida tem poesia, é isso que faz a gente dar conta do resto.
Fico muito feliz de ver que as pessoas reconhecem isso. Às vezes, penso: “Alguém tá usando algo que eu criei, que loucura, que privilégio!”; ao mesmo tempo, também, dando a possibilidade de as pessoas criarem e escreverem o que elas quiserem nas joias – porque esse é o jeito de colocar também nossa marca, né? Não sou só “eu”, é o outro também.”
Queridas e queridos leitores!
Aqui, quem te escreve é Victória: Escritora, idealizadora do projeto Caçadora de Histórias e colunista da Revista TRAMA.
Começamos esse ano cheio de páginas em branco escrevendo a nossa e trazendo a coluna de maneira ainda especial, porém renovada. Aqui conecto minhas palavras com a arte que a revista respira e traremos, quinzenalmente, histórias de artistas de todos os vieses como literatura, música, cinema,
dança e muitos outros, ajudando a reforçar e relembrar o quanto somos bordados e perfumados por toda essa pluralidade.
Com carinho, esperança e muita fé,
Victória Vieira
Victória Vieira é escritora e idealizadora do projeto Caçadora de Histórias. Caçando e ouvindo histórias, vou escrevendo a tua com minhas palavras e te ajudando a ter um novo olhar sobre ela. Siga o projeto no Instagram.
Apoie pautas identitárias. Em tempos de cólera, amar é um ato revolucionário.
Paixão pelo que faz, con certeza faz toda a diferença, Déborah!!! Lindos o texto e a entrevista!!! Parabéns!!!😘