Constantemente me faço o dever de revisitar e descobrir algumas obras que perpassam um pouco da nossa trajetória musical: uma riquíssima trajetória de música brasileira, que afinal de contas, nos ajuda a entender nós mesmos enquanto possibilidades de povos e de diversos Brasis. Enquanto um jovem de 20 anos, faço jogo limpo: obras até meados dos anos 90 vieram ao mundo enquanto eu ainda não era nem um plano, quiçá ideia, e, justamente, o esforço é achar – nesses balanços que o mundo deu enquanto muitos de nós não estávamos aqui ainda – as muitas e muitas partezinhas de nós como somos hoje, os porquês e mais porquês. Enfim, foi nessas que eu me deparei com o Clube da Esquina.
O Clube da Esquina foi um movimento, uma conjunção, disco, música e caracterização atemporal de uma época. É errante, ao tom que o Clube sempre se propôs, figurar Bituca como o cabeça, ou o “principal” dentre aqueles que ali estavam, apesar de ser inegável que Milton Nascimento viria a ser a persona de mais destaque e frutífera ali dentro, consequentemente o encabeçando. O movimento, nascido, erguido e criado em Minas Gerais na grande BH, surgiu a partir do encontro de Milton com a família Borges (de forma bem resumida), onde tornou-se amigo de Márcio e mais à frente de Lô. Pessoas que conjuntos a um ir e vir, se uniam e se encontravam por várias afinidades, mas sobretudo: pela música. O Clube foi um agregado de gente que ocupou além do espaço da casa dos Borges, da esquina e dos palcos: figurou em um lugar que transcende a compreensão espacial e temporal.
A esquina é justamente a que os Borges moravam, na qual ao longo da década de 60, vários amigos e conhecidos passariam por ali, se dialogando, trocando poesia, música e proza. Figura nesse pessoal: Lô Borges, Beto Guedes, Tavinho Moura, Tavito, Ronaldo Bastos, Fernando Brant, Toninho Horta, Wagner Tiso, Milton Nascimento e mais uma pá de gente (como o próprio Bituca costuma dizer). Desses é que surge o clássico álbum “Clube da Esquina” (1972), que viria a figurar nas minhas degustações de passados que não vivi, mas vivo.
A musicalidade impressionantemente mundial e mineira emerge da mistura, da congregação que os próprios insistiram em gestar: tem bossa, jazz, música latina, rock n roll, de forma consonante a mentes que respiravam poesia e um descompromisso que dá gosto de sentir. Visto daqui do futuro, ano em que o disco comemora 49 anos de existência, me parece justo o colocar numa categoria a parte, como uma entidade, talvez, de tudo aquilo que uma geração sonhou e projetou, e que, por resistência do tempo, projetam até hoje. A propósito, o significado de “clube” geralmente se implica pela junção, união, congregação – e isso ainda importa?
No mínimo devemos nos perguntar isso a todo instante nesses últimos tempos em que, de forma não virtual, há tempos não sabemos o que é um. Os Clubes, propriamente ditos, figuram como esse exato instrumento de junção de pares, que se reúnem com dado fim, possuindo um caráter de expansão ou não, ou de propriamente definição de limites para as afinidades trocadas. A música, como semente da expressão humana, se faz a partir de um desencaixe de tempo-espaço, ela transcende. O sociólogo Anthony Giddens, que dedica grande parte de seus estudos à modernidade, insiste corriqueiramente em demonstrar as estruturais sociais, a partir de uma desconstrução e realocação a todo instante do tempo-espaço. Tal processo é ainda mais voluptuoso à medida que avançamos numa globalização cada vez mais “globalizante”. Por tanto, entendemos que tempo e espaço são fluídos, são relativos, coexistem, e é mais ou menos por esse caminho que desejo constituir a reflexão aqui.
As melodias místicas e doces, atravessam um grande mar de paradoxos, esses mesmos que a modernidade carrega consigo. O grito de uma geração reprimida por uma ditadura, por um Brasil que dentro de si carregava vários projetos, estranhamente ainda é familiar, até mesmo para aqueles que não o viveram, como eu, mas que, ainda sim, vivem nos sombrosos tempos atuais.
O Clube importa para estarmos cientes de que é infindável o seu alcance, como o próprio Bituca cita no livro de memórias de Márcio Borges “Sonhos não envelhecem” (2000): “E mais uma vez, penso que o Clube não pertencia a uma esquina, a uma turma, a uma cidade, mas sim a quem, no pedaço mais distante do mundo, ouvisse nossas vozes e se juntasse a nós.” Me faço no dever de juntar a esses que tão bem correspondem aos anseios de quem ainda resiste e persiste. Vale o apreço pelas músicas e obras, que, a propósito, foram muito além desse disco homônimo. Um gênero mineiro, das montanhas, dos trilhos do trem, da contemplação e da urgência de uma vida livre e menos desigual. Tal transcendência que perpassei há de ser um local onde possamos repousar nossos sonhos por ora, pois, afinal de contas, eles não envelhecem.
Juliano Dias Guimarães é Bacharel em Ciências Humanas e graduando em Ciências Sociais pela UFJF. Amante dos bons sons e de cultura pop chinfrin.