Embora o isolamento social tenha provocado um receio pelo futuro de nossas vidas, por outro lado, foi também um convite à reflexão. Não produzi esta série necessariamente em função da pandemia; porém não há como escapar a todo esse contexto de dor, incertezas e até mesmo aflição que todos enfrentamos.
Nos fundos de casa, há um quintal de terra que carinhosamente chamo de “selva”, diferente do jardim – civilizado, eu diria – que fica na frente. Na “selva”, o crescimento é caótico e o mato sempre avança e retrocede. Tem pé de limão, laranja, maracujá, primavera (Bougainvillea spectabilis) e algumas ervas. Durante as podas, não somente a primavera, mas também o limoeiro e a laranja despejam seus espinhos. Admiro aqueles caules lenhosos e intimidadores.
Espinhos são uma forma de defesa, uma reação às condições hostis como a falta de água ou predadores; a folha abdica de seu papel de promover a vida por meio da fotossíntese e seca, endurece, torna-se pontiaguda, morre. Nasce o espinho: defesa delicada, porém eficaz. A folha enrijece para defender a planta. Não deixa de ser uma forma de sacrifício, que a teologia cristã popularizou na paixão de Cristo.
Outro personagem desse drama são as mariposas presentes em alguns trabalhos. Sua visita noturna em voo caótico e desorientado causa a hipnose fatal e, na manhã seguinte, após a dança frenética em torno da lâmpada, jaz imóvel, vida breve, quase imperceptível. Creio que as aquarelas transitam por estes espaços de dor, fragilidade, fatalidade sem dispensar a beleza e delicadeza dos pequenos momentos.
Marcel Esperante é paulistano vivendo em Minas Gerais. Doutor em Artes pela UNICAMP. Lida principalmente com gravura em metal, xilogravura, serigrafia e litografia, além de processos de criação, arte contemporânea e história da arte. Atualmente, é professor efetivo na Universidade Federal de Uberlândia (UFU).