CAIR UM TUDO

 CAIR
 UM
 TUDO

 ela entornou tudo
 de mágica
 de mágica
 no entorno dela
  
 era uma coisa tudo
 tudo aquilo era ela
  
 a raiz de tudo era fruto
 cada abacate
 cada um
 caía
 constante ameaça sobretudo
 sobre tudo o que havia
  
 ela controlava tudo
 com sua magia
 de atos
 sem palavras
 nem gingas
  
 ela sentar naquele banco
 sob o abacateiro cheio de frutos
 era inverter o tempo dos galhos
 as folhas subiam por ventos
 retendo flutuantes
 os frutos
  
 então eu podia deitar
 sob aquele abacateiro
 cuidadoso de ter minha cabeça
 sobre aquele colo
 protegido de um tudo
  
 olhos nas nuvens sobretudo
 através dos galhos
 reparava cada fruto
 cada um na sua parte
 das raízes fincadas no céu
  
 do sol até as pontas dos dedos dela
 que vinham e iam entre
 os fios dos cabelos
 agora mágicos na minha cabeça
  
 pude então deixar os músculos
 se soltarem um a um
 fechar os olhos
 abrir os poros
 no balanço parado
 sustenido no tempo
 verde terra azul ouro
  
 nessa roça mágica
 minha avó criou o mundo
 um terreiro
 um quintal
 um universo
 de mim e dela
 varia das versões de tudo
  
 hoje procuro 
  
 esse lugar
 suspendido
 na iminência
 de que os abacates
 cairiam tudo

Oi, você que me lê. Trago mais um poema para essa série de contribuições mensais à Trama. A ideia é colocar, para rodar no mundo, algumas imagens muito íntimas minhas, que também (vai que…) podem ser íntimas suas, mesmo que com outras cores e ruídos diferentes. Às vezes, a coisa vem num poema ou num ensaio curto sobre algum trabalho artístico que me arrebate. Este poema, CAIR UM TUDO, já estava escrito faz tempo, num caderninho meu da infância; o que fiz foi trocar algumas palavras e rearranjas as quebras, além de enfiar mais uns versos aqui e ali, coisas que já são da vida de quem paga boletos e se pega muitas vezes preocupado com tudo, beirando um nada, e sente muita falta de fazer nada podendo ver tudo. A imagem que associei ao poema foi sugerida pelo amigo Paulo Stuart, figurando sua mãozinha. O recorte é da foto feita pelo Victor Adams Mantelli, fotógrafo, videomaker e cientista social [confiram o trampo dele: @olhovixx ]. Assim, vou seguir com essa ‘curadoria’ curandeira de afetações.


Tálisson Melo é Artista-pesquisador. Doutorando em Sociologia e Antropologia na UFRJ. Publicou o livro “Mesmo Sol Outro” com Carolina Cerqueira (2018). Atualmente trabalha em projetos curatoriais-editoriais e de pesquisa em Montevidéu, Juiz de Fora e Nova York – emaranhando artes visuais, poesia, design, arquitetura, cinema, história e ciências sociais. @talisson.melo @mesmosoloutro


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