Tu conheces a história da renovação da águia? Se não, me acompanha por aqui: Chega um momento na vida das águias em que suas garras estão tão compridas e flexíveis que já não conseguem pegar as presas das quais se alimentam. Seu bico alongado e pontiagudo se curva, e suas asas estão envelhecidas e pesadas em função da grossura das penas, o que dificulta voar.
Elas têm dois caminhos possíveis, a partir daí: Morrer ou enfrentar o doloroso processo de renovação. Para esse processo, é necessário voar até o alto de uma montanha e se recolher num ninho próximo a um paredão, onde elas não precisem voar. Depois disso, as águias começam a bater o bico numa rocha até conseguir arrancá-lo. Quando conseguem, esperam nascer um novo bico com o qual vão arrancar suas garras. Quando as novas garras surgirem, elas passam a arrancar as velhas penas. Cinco meses mais tarde, elas saem para o formoso voo de renovação para viver mais 30 anos.
Quando conheci Marina Storch, nossa artista homenageada de hoje, só pensei na renovação das águias.
Marina é uma mulher autêntica, corajosa, forte e inspiradora que viveu uma vida linda até o momento em que sentiu que precisava voar até o alto de uma montanha e passar pelo doloroso porém maravilhoso processo de renovação.
Nascida na cidade de São Paulo, no amanhecer dos anos oitenta (1983), cresceu com os pais e os dois irmãos mais novos numa casa repleta de afeto, que foi sua pista de decolagem. Foi filha única por três anos e acredita que ter dois irmãos mais novos gerou um espírito de muita liderança, pois lembra de guiar as brincadeiras e demais peripécias desde a infância. Mari ensinou o irmão do meio a ler e escrever antes mesmo de ele entrar na escola.
Sempre foi uma menina livre, com muita vontade de fazer trilhas, viajar e respirar o mundo. Estimulada pelo pai, também aventureiro, aos 10 anos já ia para acampamentos de verão sozinha. Anos mais tarde, aos 18, foi aprovada numa faculdade do interior, o que era um sonho pois sairia da casa dos pais e começaria sua independência.
Cursou Engenharia de Produção em São Carlos, fez intercâmbio na Alemanha e quando se formou voltou pra SP. Começou a trabalhar no mundo corporativo, passou num processo para trainee e foi seguindo a carreira que era uma vontade antiga: ser uma executiva, desenvolver pessoas e times. Assim foi até os 30 anos que foi quando começou a se questionar se ainda queria essa vida e então teve a ideia de tirar um ano sabático para trocar de ares, estudar ioga, meditação, virar vegetariana, ter uma vida mais leve.
Aos 33 anos, saiu de uma vida de corporação e consumo para se renovar, transformar e mudar a rota.
Começou a jornada pela Ásia e Europa, onde passou 03 anos estudando e se aprofundando em diversas culturas, trabalhando com faxina, hostels, terapias holísticas, mídias sociais, vendas, de tudo um pouco.
Foi se desenvolvendo em trabalhos mais simples e outros mais profundos.
Em toda essa vivência, Marina costurou à mão retalhos de histórias, memórias e sensações, resultando numa colcha imensa que ela envolve seu corpo e sua alma levando inspiração à mulheres e homens de toda as partes do planeta.
Ela é tão imensa, tão plural e tão hospitaleira, que consegui uma entrevista muito especial pra dividir com vocês, agora. Vamos?
01. Quando foi que sentiu o despertar para transformar vivências em palavra escrita?
Desde o começo da viagem, queria registrar de alguma forma tudo aquilo que estava aprendendo e vivendo. Comecei a escrever cartas pra mim mesma, diários e um blog. Desde o começo dessa nova jornada, passei a escrever cartas pra mim com o pensamento de ler no futuro. Esses registros viraram quase mensais por três anos e foram enviados para a casa dos meus pais em São Paulo pois era um local que sabia que não mudaria nesse tempo e poderia reencontrar mais tarde. Depois de 03 anos, fui ao Brasil visitar, peguei todos esses envelopes e resolvi transformar em livro. Inspirada em outros livros de viajantes que li, achava que um livro sobre todas aquelas histórias e todos aqueles registros podiam impactar positivamente a vida de outras pessoas e poderia dar esse impulso nelas para viajar, ter coragem, de desapegar. Principalmente ter coragem de assumir que a gente muda, nossos desejos mudam e que não é porque sempre sonhamos com um cargo alto ou com um apartamento que não podemos mudar e sonhar com outras coisas depois. Sonhar em morar num sítio, em trabalhar de forma autônoma, sonhar em viajar, sonhar em ser nômade por exemplo.
02. Quem é a Marina quando está escrevendo?
Quanto tô escrevendo, sinto que sou uma Marina criança, que está mais ligada ao lado artístico e que foi meio esquecida lá na infância. Fui estimulada a escrever logo que aprendi e depois com redações na escola mas durante o processo de faculdade, por eu ter feito Engenharia de Produção e mais tarde no mundo corporativo fui menos estimulada. Então a Marina quando escreve é a versão criança, sou eu em contato com minha criança.
03. O que diria pra ti mesma daqui 10 anos?
Acho que o que diria pra mim seria lembrar que a idade nada tem a ver com nosso momento, lembrar dessa jovialidade que carrego, que o que importa é como me sinto, que com 47 anos poderei agir e fazer as coisas que tenho vontade e faço com 37, como fiz com 27, enfim, várias etapas da minha vida. Então, acho que seria esse recado de lembrar que a idade não tem nada ver com a idade do nosso espírito.
04. O que é a escrita pra ti? Como te sente tendo tua história nas mãos e lares de tantas pessoas?
A escrita pra mim, é colocar em palavras, as sensações e sentimentos vividos naquele momento. É um registro do que a gente tá sentindo, porque quando registramos essa voz documentada, ela pode chegar em outros ouvidos, de outras pessoas que também têm as mesmas sensações. E nesse encontro a gente pode ajudar muitas pessoas, iluminar quem talvez precise ouvir aquelas palavras, quem precise de um estímulo. Então pra mim escrever é registrar sentimentos de uma forma terapêutica mas também ajudando o outro, de uma forma também terapêutica.
05. Que marca tu quer deixar nas pessoas que leem teu livro, que consomem os trabalhos que tu desenvolve?
A marca que quero deixar nas pessoas? Hum… Acho que a que já tô deixando e tô recebendo de feedback de muita gente que leu o livro ou que acessa minha história através do Instagram e dos meus textos. Esse incentivo de liberdade, quebrar essas amarras de caixinhas, lembrar as pessoas que não é porque alguém desejou algo pra gente que precisamos seguir, que não é porque a gente desejou algo no passado que somos obrigados a seguir.
Quero deixar uma marca de liberdade, mostrar que outros caminhos são possíveis, não temos que ter medo de errar, que não existe idade pra recomeçar. Não existe momento pra mudar a rota, a gente pode ser muito feliz sozinhos, em diferentes trabalhos, em diferentes condições sociais. Então a marca que eu gostaria de deixar e tô deixando é de quebrar paradigmas nas pessoas e dar coragem pra mudança.
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Vamos fazer um combinado? Depois que tu terminar de ler esse texto feito com tanto carinho e dedicação, vai lá visitar a Marina na sua página do Instagram @mudeiarota e te garanto que vai sair com vontade de conhecer metade do mapa mundi.
Depois da pandemia, não esquece!
Queridas e queridos leitores!
Aqui, quem te escreve é Victória: Escritora, idealizadora do projeto Caçadora de Histórias e colunista da Revista TRAMA.
Começamos esse ano cheio de páginas em branco escrevendo a nossa e trazendo a coluna de maneira ainda especial, porém renovada. Aqui conecto minhas palavras com a arte que a revista respira e traremos, quinzenalmente, histórias de artistas de todos os vieses como literatura, música, cinema,
dança e muitos outros, ajudando a reforçar e relembrar o quanto somos bordados e perfumados por toda essa pluralidade.
Com carinho, esperança e muita fé,
Victória Vieira
Victória Vieira é escritora e idealizadora do projeto Caçadora de Histórias. Caçando e ouvindo histórias, vou escrevendo a tua com minhas palavras e te ajudando a ter um novo olhar sobre ela. Siga o projeto no Instagram.