estamos ali enquanto você abre os registros do chuveiro esses que nunca acerto qual o lado do quente e você me diz que é uma norma mundial mas eu não sei muito bem ser mundial ali naquele momento nu de espera até a água deixar de nos agredir fria para enfim nos relaxar eu te olho sem propósito marcando seus tamanhos quantos pés tem seu antebraço quantos dedos tem sua boca quantos quadris tem sua perna quantos olhos tem suas mãos quantas vidas tem sua vida inteira se soubesse desenhar com traços ao invés de palavras te faria nesse instante em que estamos mais vulneráveis em que é possível rastrear a exatidão dos passos de um arrepio antes de finalmente pisar no chuveiro e se limpar cada um de seu dia difícil sempre imagino que quando te ajudo a lavar as costas sou eu dizendo sem dizer "deixa eu te ajudar a fazer esse dia passar logo tirar essa fina camada de problemas não resolvidos deixa escorrer pelo ralo tudo que não é você" eu sei que é ali olhares antes de entrar nesse trecho de chuva que guardamos no banheiro que eu consigo ver nossos buracosnegros se chocando e enquanto um refunda o outro eu me encontro imensurável tendo prazer em conhecer toda arquitetura do seu lado ruim penso nisso tudo um segundo antes de dançarmos juntos ao som dos pingos no box dessa música invisível que nossa existência pelada toca
Marcus Cardoso, historiador de formação, mestrando, músico… Faz tanta coisa que acaba não fazendo nada. E, se somos o que fazemos, então é isso: um grande nada que acredita piamente que a salvação do mundo está escondida em um haicai.