UM TRATADO DE CATRACAS E MATRACAS

– Moça, já é a décima vez que o aparelho não reconhece minha digital.
– Não tem problema, senhor! Libero a roleta aqui pro senhor num instante.
– Mas eu quero que a minha digital seja reconhecida pelo aparelho. Não dá pra ser assim toda vez que eu vier malhar aqui nessa espelunca.
– Já tentou o outro dedo, senhor?
– Não. Eu quero que seja o dedo indicador da mão direita. Se sempre utilizei esse dedo, por que não posso ter o direito de continuar assim?
– Calma! Eu libero aqui pro senhor!
– Quantas vezes eu já falei que não quero?! Será que não dá pra você resolver o problema de uma vez, sem apelar pro paliativo?
– Acontece que é só isso que eu posso estar fazendo pro senhor nesse momento!
– Mas estou reclamando disso faz tempo, minha querida! É por isso que esse país não tem jeito! País do jeitinho de merda! – Sentenciou o cidadão revoltado, com o dedo indicador apontado pra funcionária.
– Chame seu patrão aqui agora!
De repente, chega o dono do empreendimento.
– O que houve, doutor? 
– Uai! Mas é você, rapaz? Quanto tempo!
– Saudades, cara!
– Que surpresa boa! Está investindo no mundo fitness agora? 
– Sim. Resolvi apostar no ramo de academias. Movimentar um pouco da grana. Sabe como é, né!
– Poxa! Legal, cara! Fico feliz.
– E você? Desde quando começou a se interessar por essas paradas de atividade física?
– Pois é! Depois que retornei da Europa, comecei a repensar meus hábitos. A idade vai chegando… sabe como é, né! 
– Mas, então, chega mais pra gente conversar, pô!
– Entra por aquela porta ali do lado. Aqui você é diretoria, cliente vip, meu brother.
Por um instante, a entrada privativa se tornou arco do triunfo e o tratado sobre o comportamento social do brasileiro foi preterido pelo bom, velho e eficaz tapa nas costas.


Sérgio Augusto Vicente é Professor de História e historiador. Graduado, mestre e doutorando em História pelo PPGHIS/UFJF. Atualmente, trabalha no Museu Mariano Procópio – Juiz de Fora – MG. Dedica-se a pesquisas relativas ao campo da história social da cultura/literatura, sociabilidades, trajetórias e memórias.


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