Todo mundo tem um amigo, um colega, um parente que escreve; ou talvez você, que está lendo isso, seja a “pessoa que escreve” dos seus amigos. Poemas, contos, crônicas, até mesmo romances, são escritos diariamente por pessoas ao nosso redor. Muitas delas publicam seus escritos na internet, por meio de revistas como a Trama ou de blogs pessoais; outras apresentam em saraus ou leituras ao público; outras, ainda, chegam a publicá-los como e-books ou livretos de impressão mais simples. Cada uma dessas pessoas que escreve possui inúmeras maneiras de escrever e inúmeras possibilidades de publicar o que escrevem; porém, uma coisa é comum à maioria delas: não são capazes de se chamarem escritoras. Quando questionados se são escritoras, essas pessoas costumam responder: “ah, eu só escrevo uns poemas/umas histórias”. Dizem: uma coisa é escrever; outra coisa é ser escritor. Uma coisa é pintar, desenhar; outra, é ser artista. Mas será mesmo? Ora, se a escrita em si não torna alguém um escritor, o que torna?
Por definição, um escritor “é uma pessoa que utiliza palavras escritas, com várias técnicas e uso de vários estilos, para comunicar ou passar ideias”. Perceba: essa definição não impõe qualquer limitação. Não é escritor aquele que escreve e publica, por exemplo, ou aquele que escreve e é lido; para ser escritor, basta escrever. Contos, poemas, ensaios, peças, textos jornalísticos, romances, artigos científicos, crônicas… tudo conta.
O que tenho sentido, cada vez mais, é que esses escritores não se sentem no direito de se chamarem assim, pela carga de status que o termo implica. De certa forma, é como se assumir o título “escritor” demandasse alguma comprovação de sucesso perante o outro, que pergunta “você é escritor mesmo?”. Pensando com cuidado, porém, definir “sucesso” na trajetória de um escritor – ou de um artista, seja ele de que âmbito for – é quase impossível. Os medidores desse suposto sucesso são amplamente falhos: quantidade de obras publicadas, número de exemplares vendidos, quantidade e qualidade de críticas sobre o trabalho… Em muitos casos, essas “provas” de sucesso não são passíveis de serem fornecidas nem pelos renomados, agraciados com os serviços editoriais necessários para o registro e publicação de uma obra – que, façam-se saber: são serviços caros e pouco acessíveis, na maior parte dos casos. Apelo aqui à definição pra reiterar: escritor não é aquele que tem livro publicado; escritor é aquele que escreve.
Me dou a liberdade, aqui, de transpor esse conceito e esses questionamentos para os outros setores da cultura. O que é um pintor senão alguém que utiliza da pintura e de suas técnicas para passar ideias? O que é um desenhista senão alguém que utiliza do desenho e de suas técnicas para passar ideias? O que é um ator senão alguém que utiliza das artes cênicas e de suas técnicas para passar ideias? O que é um músico senão alguém que utiliza da música e de suas técnicas para passar ideias? Ora, nada mais do que isso. É claro: existem escritores e escritores, de todas as modalidades, de todas as técnicas, de todos os temas, de todos os níveis de aprofundamento; mas, dentre eles, não existe um limiar plausível que seja capaz de delimitar a partir de que ponto “aquele que escreve” torna-se “escritor de fato” – simplesmente porque aquele que escreve já é, a partir do momento em que escreve, um escritor de fato.
O que é preciso, então, para que cada pessoa se sinta no direito de se chamar de fazedor da própria arte?
Carol Cadinelli é jornalista, apaixonada por palavras. Escreve, edita, revisa, traduz e, vez ou outra, fotografa. Atualmente, é editora na Trama.