Andrew Young, o primeiro homem negro a virar embaixador da ONU, conquistou seu lugar na história, mas ele credita a Ralph Bunche sua inspiração.
Bunche, que faleceu há 50 anos, foi o primeiro afrodescendente a ganhar o Prêmio Nobel da Paz e a desempenhar um papel importante nos primórdios da ONU.
Ele recebeu a honraria por ter intermediado um cessar-fogo entre israelenses e árabes durante a guerra que se seguiu à criação do estado de Israel, em 1948.
O artigo a seguir faz parte de uma série de recursos multimídia publicados como parte das comemorações adjacentes do vigésimo aniversário da Declaração de Durban da ONU, considerado um marco histórico no combate global contra o racismo.
m conversa com a ONU News em julho de 2020, Andrew Young, o primeiro embaixador afro-americano das Nações Unidas, compartilhou suas lembranças de Ralph Bunche, e explicou por quê sua influência continua a ser sentida no combate contra o racismo. Bunche recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 1950 pelo seu trabalho no fim da década anterior ao mediar os conflitos na Palestina em nome da ONU.
“Ralph Bunche foi um dos meus heróis de infância. Pensava nele como meu pai porque ele já havia feito tudo o que eu estava tentando fazer, 40 anos antes mais cedo!”, recorda Andrew Young.
Ralph deixou a Universidade Howard, uma das primeiras universidades historicamente negras, em 1939, para realizar um tour na África. Ele trabalhou desenvolvendo a inteligência militar no continente para os esforços estadunidenses na Segunda Guerra Mundial.
Na missão, Ralph chegou em um bote ao Marrocos, Tunísia e Egito, e em seguida, no Canal de Suez no Quênia e África do Sul. O ex-embaixador da ONU relata que ele era a única pessoa nas forças armadas americanas que realmente sabia qualquer coisa a respeito do continente, em termos de inteligência militar. “Muitas das doutrinas da ONU sobre descolonização, manutenção da paz, imigração, refugiados e asilo vieram, acredito, de estudos que ele realizou durante este período”, disse.
Leia na íntegra o relato de Andrew Young sobre a carreira de Ralph Bunche:
Durante a era dos direitos civis, e mesmo sendo um alto funcionário da ONU, e não estar diretamente envolvido com Martin Luther King, ele não hesitou ao aconselhar e encorajar King.
Ele até mesmo chegou a marchar com King em Selma [cena das marchas dos direitos civis de 1965 feita por atividades não violentos, demonstrando a repressão deles quanto ao direito constitucional do voto], mostrando que, além de ser um acadêmico internacionalmente reconhecido, mantinha uma conexão direta com a comunidade negra e os líderes dos direitos civis: ele não veio como um funcionário das Nações Unidas, ele queria estar lá simplesmente como um cidadão americano, marchando pela liberdade em seu país.
Quando conheci Bunche na ONU, em 1967, acompanhando Martin Luther King, ele afirmou que não desejava criticar King por sua postura a respeito do Vietnã, com a qual concordava [Martin Luther King foi firme na oposição ao envolvimento da América na guerra do Vietnã], mas ele disse que odiava ver King envolvido com ambos, o movimento pelos direitos civis e movimento pela paz, ao mesmo tempo porque isso o deixou demasiado exposto.
King respondeu que não queria se envolver, mas não tinha escolha: “não quero me envolver com isso, mas não posso fugir. Não consigo segregar minha consciência. Não posso ser a favor da não-violência entre raças e classes no mundo e endossar a violência em conflitos internacionais”.
Esta reunião ocorreu um ano antes de King ser assassinado. É quase como se Bunche estivesse prevendo que a variedade de papéis que King estava desempenhando era imprudente, e ele o estivesse aconselhando a desacelerar um pouco e durar um pouco mais.
Mestre dos jogos de bastidores – Ralph Bunche sempre foi muito racional e lógico, e resistiu a todos os tipos de políticas emocionais e de raiva que pudessem existir entre as raças, ou entre os mundos desenvolvidos e menos desenvolvidos.
Ele era um mestre da mediação, com uma mente fria, lógica e analítica, que aplicou a assuntos emocionais voláteis. Ele não acreditava em sigilo, mas acreditava que a diplomacia depende de um certo nível de confiança privada: há um jogo de bastidores constantemente acontecendo na ONU.
Este artigo faz parte de uma série de recursos multimídia publicados como parte das comemorações adjacentes do vigésimo aniversário da Declaração de Durban da ONU, considerado um marco histórico no combate global contra o racismo.
Mais fatos sobre Ralph Bunche:
- As realizações de Ralph Bunche são difíceis de avaliar. Em uma fase de pronunciada desigualdade racial nos Estados Unidos, Bunche tornou-se o primeiro afro-americano a obter um doutorado vindo de uma universidade americana na década de 1930. Após servir seu país na Segunda Guerra Mundial, na inteligência militar, trabalhou em dois dos documentos fundamentais da ONU: a Carta das Nações Unidas e a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
- Bunche tornou-se subsecretário-geral da ONU, auxiliando os esforços dos povos colonizados para alcançar a liberdade e a independência no Conselho de Tutela e mediando o armistício de 1949 entre Israel e os países árabes vizinhos, pelo qual foi premiado com o Prêmio Nobel da Paz em 1950.
- Bunche foi o arquiteto e diretor das subsequentes operações de manutenção da paz das Nações Unidas e liderou, pessoalmente, a maior e mais desafiadora delas, a operação da ONU de 1960, no Congo.
- Apesar de Bunche ter deixado a ONU na época em que Andrew Young se tornou o primeiro embaixador afro-americano dos Estados Unidos da organização em 1977, ambos se conheceram anteriormente, durante a década de 1960. Young acompanhou Martin Luther King em sua visita à Sede da ONU em 1967, no auge do movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos.
- Para obter uma descrição mais detalhada a respeito das realizações de Bunche na ONU e de suas qualidades pessoais, leia este artigo de outro membro fundador do Secretariado da ONU, Brian Urquhart.
Matéria originalmente publicada em Nações Unidas Brasil em 24/08/2021 – Atualizado em 24/08/2021.
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