EU GOSTAVA MAIS QUANDO VOCÊ TRABALHAVA SÓ NO TRABALHO

Foi direta e objetiva, enquanto pedia minha atenção pela milésima vez (e não é uma hipérbole!).

Eu estava entre e-mails, correções, anotações em planilha… de um cargo; E, ao mesmo tempo, resolvia questões sobre o funcionamento, reunião e formação… de outro; Entre isso tudo, ainda, havia almoço, rotina da casa e atividades escolares das meninas…

Estávamos isolados dentro do isolamento: Eu, as meninas e Tamara, que acabara de ser diagnosticada com Covid.

Era um cenário incerto, sentíamos na pele o medo da perda ou da contaminação de nossos pais. Tamara sentia as dores e angustias; as meninas esboçavam preocupação; eu não conseguia lidar com todas as preocupações e emoções.

Naquele cenário erámos só nós, a fé e a esperança.

E o trabalho? Não parou. Até hoje não sei por quê.

“Por que você também não pegou um afastamento?” me questionou uma colega de trabalho.

Talvez porque o home office criou uma falsa ideia de que não estamos trabalhando. Quando na verdade trouxemos de forma involuntária e inconsciente o conceito das empresas com atendimento 24h.

Já me peguei de madrugada gravando podcast com explicação para alunos, porque era o horário do silêncio ou fazendo cursos de aprimoramento para adequação do trabalho (fora do horário do trabalho)…

Outros colegas mergulharam de cabeça em grupos de atendimento em whatsapp, sem hora e sem dia…

Normalizamos uma sobrecarga que tem afetado saúde e relacionamentos.

E ela, com sete anos, havia entendido uma lógica e me alertava: no trabalho presencial (geralmente), o trabalho é limitado a um espaço-tempo determinado.

No remoto não!

Ele invade tempos e espaços naturalizando sobrecarga e pressões.

(Pois, há “fiscais de posturas” que internalizaram tanto esse modelo em suas rotinas, que querem todos no mesmo frenesi desvairado.)

Foi então que, (in)conscientemente, a mais nova colocou meu celular no microondas.

Às vezes, é necessário distância do abismo para compreender o risco.

Não se sobrecarregue.
Não se pressione.
Não se cobre.

Lembre-se: tempo, além de dinheiro, é vida, saúde e amores.


Iverson Silva é professor de História da Rede Pública, Historiador e Escritor.




Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *