todas as noites com o advento das respostas que se descobrem em atraso ⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀o sopro quente do tempo ⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀me esquenta a nuca junto com os feitos que não deviam ter sido e os maus presságios que não passaram de covardia mitificada todas as noites a língua do tempo me lambe o lóbulo da orelha ⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀a direita quando me deito para a janela temendo as luzes rápidas no teto ⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀a esquerda quando me deito para o espelho e não temo senão a mim todas as noites as mãos do tempo correm nos meus peitos estão secos e caídos para o lado como um banquete deixado a apodrecer ⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀pela falta da fome nas bocas todas as noites o tempo enfia em minha boca a sua língua ⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀antes que eu consiga recusar balança a língua atrás dos meus dentes onde moram os choros engolidos e as palavras perigosas e no fundo da minha garganta ⠀⠀⠀ ⠀sente o ácido ⠀⠀⠀ ⠀⠀do meu medo de morrer ⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀misturado à amargura de estar viva o tempo se esfrega nas partes minhas que são só minhas para esfregar ⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀todas as noites e a mim mantém desperta para que não me esqueça ⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀que todas as noites são noites a menos ⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀todas as manhãs encontro em mim os restos do tempo
Milena Moura é poeta, editora e tradutora. É autora dos livros Promessa Vazia (2011), Os Oráculos dos meus Óculos (2014) e A Orquestra dos Inocentes Condenados (Primata, 2021, no prelo), além de editora da cassandra, revista de artes e literatura voltada exclusivamente para o trabalho de mulheres. Integra também as equipes de poetas do portal Fazia Poesia e de colunistas da revista Tamarina Literária.