A EMERGÊNCIA CLIMÁTICA E A HISTÓRIA: COMO REPENSAR OS NOSSOS IMPACTOS AO LONGO DO TEMPO?

Recentemente, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – PNUA publicou o relatório sobre a emissão de gases do efeito estufa para o ano de 2021. O relatório aponta para a ineficácia das promessas realizadas pelas lideranças mundiais no combate à mudança climática. Diante do cenário catastrófico que se aproxima, este ensaio é fruto das minhas reflexões sobre as potencialidades da disciplina histórica no engajamento à luta por uma conscientização sobre a habitabilidade em nosso planeta, através de uma concepção teórica que reconheça, em escala temporal, os impactos ambientais gerados pela nossa espécie.

The Heat Is On: A world of climate promises not yet delivered é o título do documento publicado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – PNUA que chama a atenção do mundo para a questão climática. De acordo com o relatório, os atuais esforços realizados pelos principais países emissores de gases do efeito estufa são insuficientes para que terminemos o século XXI com um aquecimento global inferior a 1,5ºC. Caso sigamos no mesmo ritmo de emissões e continuemos com políticas ineficazes, a expectativa é terminarmos o século com um acréscimo de 2,7ºC na temperatura média do mundo. Tal aumento significaria transformações irreversíveis no funcionamento e manutenção do equilíbrio terrestre.

Essa é a primeira vez, na história geológica do nosso planeta, que uma espécie adquire tal poder. O químico Paul Crutzen, vencedor do Nobel em 1995, foi o responsável por difundir a ideia do Antropoceno, a época geológica da humanidade. Até então, o tempo geológico era marcado pelas mudanças naturais ocorridas com o nosso planeta, das eras glaciais até os períodos mais aquecidos. O Antropoceno marca a ascensão do ser humano enquanto força geológica, adquirindo o poder de mudar características físicas e químicas do nosso planeta a ponto de alterar a sua própria biodiversidade.

Trago para a conversa o historiador indiano Dipesh Chakrabarty, que dedica suas pesquisas ao tema dos estudos pós-coloniais e teoria da história. Em 2009, ele publicou quatro teses sobre a relação da disciplina com a emergência da questão climática no debate global, se apropriando do conceito de Antropoceno. O termo deep historty foi calcado para representar uma escala temporal que supere a história humana das sociedades organizadas, mas que alcance a nossa história enquanto espécie.
Segundo Chakrabarty, a consolidação das ciências normalizou a divisão entre as Ciências Naturais e as Ciências Humanas, separando a história do homem da história ambiental. No entanto, as Ciências Naturais demonstram que a vida na Terra, incluindo a nossa, é resultante de complexos processos interativos entre os seres vivos e o comportamento geológico do planeta, sendo fundamentais para a nossa própria compreensão de vida. Um exemplo disso é descrito pelo professor e divulgador científico
Yuval Harari (2020) descreve a relação entre o surgimento das primeiras grandes civilizações humanas com o fim da última era glacial, que propiciou o desenvolvimento da agricultura e da nossa expansão pelo globo.

A História lapidou a ideia do homo sapiens como sujeito universal, destinado ao progresso através da dominação sobre o seu meio. Coincidentemente, tal concepção amadurece no auge da Revolução Industrial, ao longo do século XIX. Porém, a conta do progresso está chegando para nós. Os últimos anos têm sido a prova dos impactos provocados pela mudança climática. Certamente, grande parte desses impactos foi provocada pela industrialização, e a historiografia guarda importantes críticas à história do sistema capitalista.

No entanto, é preciso ir além. Como o próprio Chakrabarty (2009, p. 18) nos diz: “A crise atual, não obstante, chamou a atenção para outras condições necessárias à existência da vida na forma humana que não guardam qualquer conexão intrínseca com a lógica das identidades capitalistas, nacionalistas ou socialistas. Elas estão conectadas, na verdade, à história da vida no planeta, à forma pela qual diferentes formas de vida se interconectam e à maneira pela qual a extinção em massa de uma espécie poderia significar uma ameaça para outra.”

Seguindo a ideia, ainda que o sistema capitalista tenha contribuído com severos impactos, ele é tributário das concepções mais profundas sobre a maneira que lidamos, e continuamos a lidar, com as outras formas de vida do nosso planeta. A exploração inconsequente da natureza e das outras espécies são atitudes tomadas desde antes da história enquanto escrita. É necessário preparar as lentes do passado para lidar com a chamada deep history, ampliadora do nosso entendimento enquanto uma espécie tributária de um tênue equilíbrio planetário, cujo pêndulo também envolve formas diversas e interligadas de vidas. O astrônomo Carl Sagan realiza uma profunda reflexão para seguirmos repensando a nossa relação com a Terra e o cosmos: “percebemos com relutância que não éramos o
centro e a razão de ser do universo, e sim que vivíamos num mundo minúsculo e frágil perdido na imensidão e na eternidade, à deriva num grande oceano cósmico […]”.


Referências:

HARARI, Yuval Noah. Sapiens: uma breve história da humanidade. Porto Alegre: L&PM Pocket, 2020.

CHAKRABARTY, Dipesh. O clima da história: quatro teses. Sopro, n. 91, p. 4-22, 2013.

UNITED NATIONS ENVIRONMENT PROGRAMME. Emissions Gap Report 2021: The Heat Is On – A World of Climate Promises Not Yet Delivered. Nairobi, 2021. Disponível em: https://www.unep.org/pt-br/resources/emissions-gap-report2021 cf_chl_managed_tk=pmd_XaoOyCYteTvsjCFt5U5QCxQgqpwnBTiDeZUC
tz59qvg-1635888915-0-gqNtZGzNA2WjcnBszQgl. Acesso em 27 de outubro de 2021.

SAGAN, Carl. Cosmos. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.

*Fotografia da capa por: Michael Kenna (1985)


Ícaro Assini é professor de História em formação pela UFJF. Bolsista do Laboratório de História da Arte, gosta de se aventurar pelas profundezas das artes plásticas dos séculos XIX e XX. Também se interessa por teoria da história, historiografia e literatura. É um dos membros do projeto @trinca.literaria no Instagram.


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