Toda dor é um lembrete do agora 

Aprendi o significado de ponto-gatilho nas sessões de fisioterapia. Antes, desconhecia a inventividade dos músculos a esboçar no corpo uma cartografia de locais hipersensíveis. Sentia apenas a dor. Por vezes, o peso na nuca empurrando meu eixo em direção ao solo. Por vezes, a tração de cordas invisíveis, alçando meus ombros em direção às orelhas. Alheia à autonomia do tecido muscular, aos desequilíbrios das equações bioquímicas que semeiam no organismo os seus excessos. Alheia às consequências imediatas da má postura, dos gestos bruscos e do sofá barato. Procurando no corpo uma representação das minhas repentinas oscilações de humor: a terra para a melancolia; as escápulas içadas para os períodos de atribulação, insegurança ou ansiedade. Uma dicotomia clichê de temperamentos a alternar, em um só dia, a apatia dos membros colados no colchão, ao frenesi de erguê-los ao teto. A angústia acumulada nas panturrilhas, ao estranho ânimo para faxinar cada canto esquecido da casa, alterando a disposição dos móveis, apenas para retorná-los ao mesmo lugar. Buscando, na atividade intensa, uma justificativa prática para as dores musculares. Reencontrando, no lugar, a exaustão que devolve o corpo ao estofo já disforme do velho sofá.  

Alongo o corpo como me foi ensinado. Com as mãos sobre a nuca, finjo manter a respiração compassada, finjo contar lentamente até trinta. Ainda consigo apoiar o queixo sobre o peito. Ainda consigo me equilibrar em uma perna só ou tocar a palma das mãos no solo, sem que seja preciso dobrar os joelhos. Ainda sustento certo domínio sobre os músculos, embora ele exista apenas para que o momento da desobediência se torne mais violento. Alongo o corpo sem intencionar a melhora. Buscando no breve fisgar das fibras, a confirmação de que estou presente. Na dor, o lembrete do agora. Da materialidade da carne. O lembrete da presença deste corpo no centro deste cômodo. Da sola dos pés plantadas neste chão. Das pernas sutilmente arqueadas. E aqui, entre um ombro e o outro, o ponto doloroso que torna o instante palpável.   


Raíssa Varandas é formada em História e é doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Letras: Estudos Literários, da Universidade Federal de Juiz de Fora. Autora do livro “Afluência”, que flerta com a prosa e a poesia, transita entre os gêneros textuais, criando poemas, mas também contos e aforismos. Ele foi gestado ao longo de dois anos, com ilustrações de Bruna Bridi, sendo também a primeira obra apresentada pela Varanda, que não é apenas uma editora, mas um “complexo de comunicação e cultura”


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