“Saí de Córrego Fundo para Belo Horizonte montada a cavalo. Carregava comigo apenas uma mala pesada com algumas roupinhas, dois cobertores que eu mesma fiz e uma lata de leite, que tinha a gordura do porco que eu matei no dia anterior na roça. Fui a cavalo até o ponto de onde peguei o caminhão. Vim com meu filho pequeno. Pra chegar aqui, tive que matar um leitão e usar o dinheiro que na época nem cem cruzeiros valia. Levava comigo um bilhete do meu filho mais velho, dizendo que eu não aceitasse ajuda de estranhos para carregar minha mala, porque poderiam me roubar. Foi na época que a Gameleira desabou, em 1971, eu não conhecia nada. “(ILDA) “Estrangeiras do Trópico” é uma série fotográfica que trata do estranhamento de ser mulher. Permeado por imagens de mistério, enevoadas, com figuras duplicadas, parte das relações entre memória familiar e coletiva, a genealogia e suas lacunas, fotografias de álbum de família, rastros e autoficções poéticas, trata especificamente das mulheres da família materna da artista, com foco em sua avó Ilda, que ao migrarem do interior para a capital mineira tiveram uma vivência social enquanto outro, estrangeiras e estranhas. Num campo híbrido da fotografia, com imagens autorais e fotos de arquivo feitas na década de 1950 pelo cunhado de sua avó, o retratista da cidade de São Tiago-MG, conhecido como Neném Retratista, as imagens ganham um tratamento digital conferindo uma estética de estranhamento, assim, diante das lacunas cabe à nossa imaginação costurar tempos, lembranças e esquecimentos, por isso as imagens e os relatos de minhas familiares conduziram-me a propor um projeto de arte que adentra uma esfera particular de experiência para conduzir à uma partilha sensível comum.
Bárbara Lissa é artista-pesquisadora, mestranda em artes pela EBA/ UFMG (bolsa FAPEMIG), graduada em Artes Plásticas pela Universidade do Estado de Minas Gerais (2019) e graduada em Letras (licenciatura do português) pela Universidade Federal de Minas Gerais (2013). Seus projetos perpassam a fotografia e o audiovisual, tratando de temas como memória, esquecimento, ficção e perspectivas feministas. Em 2016 co-fundou o Duo Paisagens Móveis, com Maria Vaz, que hoje é um dos seus principais focos de trabalho.
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