O sol ainda não acordou, mas ele já está de pé. Banho tomado, água passando pelo coador, roupa separada sobre a cadeira. É assim há anos. O cheiro do café toma a casa e ele sorri um meio sorriso ao espelho, ajeitando seu cabelo. Barba por fazer, café sorvido com as duas mãos na xícara, porque mesmo nesse fim de mundo, as manhãs são frias e os dias são quentes. Lentamente, como se fosse uma solenidade, ele veste a camisa, a calça e o terno branco. Com certo vagar, dá o nó na gravata. Confere no espelho. Está impecável. O tempo, esse fiel amigo, nem sempre é generoso, maltrata e retira a esperança das pessoas, mas com Pinduca ele não se cria. Pinduca é diferente. Pinduca é da esperança. 

O portão da casa trancado. Olha para os lados. O sol começa a chegar, parece saber que Pinduca precisa dele para ver as pedras e os buracos da rua de terra. Do alto do morro, de terno branco e sorriso aberto, Pinduca, de longe, parece um deus, contemplando a criação ao seu redor, as casas acordando, os cachorros deitados na entrada das casas, uma ou outra vaca pastando ao longe. Respira fundo e, solenemente, desce a rua. Quem nunca viu Pinduca descer as ruas assim, pensa que ele vai em direção a um evento, um compromisso importante. E não é? Quem disse que a espera não é esperança? Se desse ouvido para as maritacas de sua rua, Pinduca nunca mais saia de casa. “Ô Pinduca, nada né? Desiste homem, vai viver sua vida”. E quem disse que ele não vivia? 

Pontualmente 7h25. Ao longe, Pinduca vê a fumaça. De pé, na plataforma, alinha o terno. Como uma oração, uma reza, um mantra, repete para si mesmo, seguidamente, “ele vai parar”. Lá vem ele. De dentro da grande máquina de metal, o maquinista vê, ao longe, seu companheiro de todas as manhãs. Apita uma, duas, três vezes. E passa pela estação como se ela não estivesse ali. Pinduca sente a fumaça, levanta o braço e acena aos passageiros. Ele acena. Ele sorri. Mas ninguém. Se vê, ignora. Para alguns passageiros regulares da linha que segue para a capital, Pinduca virou folclore, o senhor negro, de terno branco, que acena para o trem, com sorriso aberto e olhar de esperança. Para outros, Pinduca dava medo, pois o associavam ao Preto Velho. O maldito preconceito de quem nunca entendeu que o Preto Velho é amoroso, acolhedor e enche de esperança quem o procura. 

Braço erguido, sobre a plataforma, Pinduca vê o trem que segue sua viagem, desaparecendo na curva. O gesto humano fica no ar. Por um instante, Pinduca sente o abandono tomar sua existência. A solidão o toma por inteiro. O frio na espinha faz arrepiar cada pelo de seu corpo. Mas um instante. Só um instante. Lá vai o trem, mas a esperança e a fé permanece. Pinduca, toda manhã, repete seu ritual. Um dia ele vai parar. Um dia ele para. Volta para casa, subindo a rua e ouvindo as maritacas repetindo a mesma ladainha de sempre. Seu semblante poderia ser de desânimo, de tristeza, mas não, Pinduca sorri como se tudo tivesse acontecido como ele queria que acontecesse. E não aconteceu? Quem Pinduca tanto quer que chegue naquele trem? Ninguém nunca ousou perguntar. As maritacas continuam a desmerecer Pinduca, mas ele não perde a esperança. É teimoso, não sonha por sonho, sonha por vida. E assim vai Pinduca, toda manhã, sorriso aberto, roupa nova, esperar seu amigo trem. Qualquer dia ele para. 


Giovanni Alecrim é mineiro, tem 43 anos, é casado com Tatiana, pai de Antônio e José. É poeta, cronista e contista. Autor de livros de poesia e teologia. É pastor da Igreja Presbiteriana Independente de Tucuruvi, São Paulo, SP e editor-chefe do Grupo Meekah, Campinas, SP. É Bacharel em Teologia pela Faculdade Unida de Vitória e Licenciatura em Filosofia pela Faculdade de Educação Paulistana. 

 


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