O Brasil avançou na redução da pobreza e desigualdade desde o retorno à democracia, na década de 1980. A expansão das políticas de proteção social desempenhou um papel importante nesse processo. Porém, a redução da pobreza estagnou na última década e a taxa de informalidade permanece alta.
Além disso, o envelhecimento demográfico, as mudanças climáticas e as novas tecnologias e formas de trabalho geram necessidades e riscos para a população. Como o sistema de proteção social pode seguir desempenhando um papel central em um contexto tão diferente daquele em que muitas dessas políticas foram concebidas?
Em um novo relatório, o Banco Mundial e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) discutem o assunto. Em duas décadas, a maioria da população brasileira estará em idade ativa, mas não será mais jovem; muitos precisarão navegar pelo mercado de trabalho com baixa escolaridade. O número de crianças terá diminuído, mas, enquanto isso, quase metade delas cresce em condição de pobreza. O número de adultos com mais de 65 anos dobrará, tornando as atuais promessas previdenciárias fiscalmente insustentáveis, mesmo após a recente reforma.
Outra tendência é a mudança climática, cujos efeitos incluem desastres naturais mais frequentes e uma mudança estrutural da economia. Finalmente, as novas tecnologias mudarão a maneira como as empresas utilizam a mão de obra. Haverá mais oportunidades para aproveitar os mercados dos serviços globais, mas também um maior risco de deslocamento de trabalhadores para novas tarefas, e eles – mais do que nunca – trabalharão como autônomos.
A capacidade dos brasileiros navegarem por essas mudanças dependerá em parte da maneira como o sistema de proteção social e trabalho adaptará o conjunto de instituições, programas e despesas às novas necessidades. O relatório identifica fragilidades do sistema atual. Quatro quintos dos gastos com proteção social são alocados a programas que visam principalmente os mais velhos, como se o Brasil fosse um país com tantos idosos quanto a Europa.
Além disso, as aposentadorias do setor formal beneficiam desproporcionalmente as famílias dos quintis de renda superior, embora sejam subsidiados em graus diferentes a partir da receita geral. Por outro lado, apenas poucos programas de proteção social promovem capital humano e oportunidades. Um deles é o Bolsa Família.
O relatório recomenda um conjunto de dez reformas para o médio e longo prazos, com um olhar para o Brasil em 2040. Será importante aumentar a eficiência dos programas de seguro desemprego, expandir os instrumentos financeiros disponíveis às famílias para administrar a volatilidade da renda e tornar os programas de assistência social mais eficazes no alcance das famílias impactadas pelos choques climáticos.
O sistema também teria que encontrar mais e melhores maneiras de ofertar programas de desenvolvimento na primeira infância, e criar políticas destinadas a apoiar os trabalhadores em transição de emprego ou entrando no mercado de trabalho pela primeira vez, bem como expandir a inclusão econômica em áreas rurais.
Para fortalecer a redução da pobreza, a nota propõe consolidar as transferências direcionadas às famílias trabalhadoras em um único programa, com um componente para crianças e um para famílias de baixa renda. Será fundamental investir no aperfeiçoamento dos sistemas como o Cadastro Único e na capacidade de os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) prestarem serviços sociais mais complexos e de encaminhar os beneficiários a outros programas.
E, a fim de poder financiar essas mudanças, será necessário aumentar a eficiência e a equidade dos gastos, principalmente na Previdência. Nesse aspecto, o relatório propõe uma coordenação mais direta da previdência não contributiva (como o Benefício de Prestação Continuada) com um redesenho da aposentadoria mínima contributiva com incentivos para contribuir ao longo do ciclo laboral. No entanto, será importante reduzir os diferenciais nas contribuições e impostos pagos entre trabalho autônomo e celetista, que hoje contribuem para a pejotização porque essa opção é menos custosa para os empregadores.
Reconhecemos que essas propostas são ambiciosas e, por isso, o debate tem que começar hoje.
*Economista líder de Desenvolvimento Humano para o Brasil do Banco Mundial e doutor em Economia pela Universidade de Illinois (EUA). Este artigo foi escrito em colaboração com meus colegas Asta Zviniene (especialista sênior em proteção social), Josefina Posadas (economista sênior), Matteo Morgandi (economista sênior) e Raquel Tsukada (consultora na área de proteção social).
Artigo Publicado Originalmente na página da ONU Brasil no dia 03/05/2023
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