Já faz um tempo que viajei para o interior. Pouco importa a cidade, passei por várias igualmente instigantes, receptivas e aconchegantes. Mas em uma, tive uma conversa que realmente me intrigou. Sobre, como uma senhora me contou, a forma como compensavam as ausências em seu tempo de juventude.
Era uma época em que as ausências eram ainda mais difíceis de lidar do que hoje em dia, foi o que a senhora me disse. Não havia telefones celulares, internet, ou até mesmo cartas confiáveis que chegassem a tempo. As pessoas eram forçadas a lidar com a saudade e a distância de maneiras criativas. Depois disso, ainda encontrei a senhorinha algumas vezes pelo caminho, porém, apenas nos cumprimentamos, sem mais conversas.
Descobri depois que era comum nas vilas e cidades pequenas a prática de se reunirem na praça central para ouvir histórias dos viajantes que passavam. Eles sentavam-se ao redor da fogueira enquanto os forasteiros contavam histórias de lugares distantes e suas aventuras. Aqueles que tinham parentes ou amigos que haviam partido em viagens de longa distância esperavam ansiosamente por elas, como se cada palavra contada trouxesse um pedacinho daqueles que amavam de volta para casa.
Além disso, as pessoas usavam também muito a música para amenizar a dor da saudade. E por isso, muitas igualmente possuíam esse tema. Era comum também, reunirem-se para cantar músicas que lembravam seus entes queridos ausentes. Algumas canções eram passadas de geração em geração e contavam histórias de amor, aventura, glória e, sobretudo, falavam sobre suas saudades.
Um dia me sentei em uma roda assim, ainda na mesma cidade, pois haviam se preservado certos hábitos dos antigos. Realmente achei isso muito bonito.
Havia uma dessas canções, que era contada a história de um casal: Maria e João. Eles moravam em cidades diferentes e se conheceram em uma festa. Logo, encantaram-se um pelo outro e decidiram começar a namorar. Até que se casaram em poucos meses depois.
O jovem casal apaixonado se viu obrigado a se separar quando João foi convocado para servir ao exército. Maria, apesar de triste, estava determinada a esperar por ele. Eles trocaram cartas durante meses, compartilhando suas vidas separadas e os desafios que enfrentavam. Eram as palavras que ali continham que em suas cabeças os mantinham conectados, e a espera por uma nova carta era sempre um momento de grande expectativa. Na época, não era fácil manter um relacionamento à distância, mas eles se esforçavam para se comunicar o máximo possível.
Maria tinha uma caixinha onde guardava todas as cartas que João lhe escrevia. Ela as relia com frequência e se emocionava ao rever as palavras de amor que ele lhe dedicava. João, por sua vez, guardava todos os telegramas que recebia em uma gaveta da escrivaninha. Eles eram curtos, mas traziam mensagens de afeto que o confortava.
As saudades eram amenizadas também por meio de fotografias. Em algumas ocasiões, Maria enviava fotos suas para João, que as guardava em um álbum de recordações. Ele também mandava fotos dele para Maria, que as colocava em um porta-retratos ao lado de sua cama.
Em uma tarde qualquer, Maria recebeu a notícia de que a casa de sua família havia sido atingida por um incêndio. Felizmente, todos estavam seguros, mas muitas de suas coisas foram destruídas pelas chamas. Entre as coisas perdidas estavam todas as cartas de João.
Maria ficou arrasada. Todas as palavras que João havia escrito para ela, todas as histórias que ele havia compartilhado, tudo isso havia sido consumido pelo fogo. Ela sentiu que uma parte dele havia lhe sido tirada. Foi ali que definitivamente ela descobriu o que era a saudade. Também descobriu o que era o amor.
Ela percebeu que a saudade não é apenas sentir falta de alguém, mas sim, é a sensação de que uma parte de você foi lhe foi tirada e pode ser que nunca mais volte.
No fim, a música dizia que mesmo que as cartas fossem destruídas, o amor que sentiam um pelo outro nunca iria queimar. Ao que me parece, a musica contava a história da avó de um dos presentes. E me marcou muito.
Era realmente comum na época enviar mensageiros para entregar recados e notícias. Esses mensageiros, muitas vezes jovens e corajosos, eram encarregados de viajar por longas distâncias para entregar notícias importantes. Embora nem sempre fossem bem-sucedidos, pois muitas vezes se perdiam no caminho ou eram interceptados por bandidos. Mas, a esperança de receber notícias de seus entes queridos era suficiente para manter a chama da esperança acesa.
No entanto, compreendi, que para aquelas pessoas a maneira mais eficaz de amenizar a saudade era exatamente essa esperança de que um dia a pessoa amada retornaria. E enquanto isso, contavam histórias, cantavam canções e enviavam mensageiros para manter viva a conexão entre si e seus entes queridos.
Embora a tecnologia moderna tenha facilitado a comunicação, agora não tenho mais a certeza se foram realmente reduzidas as distâncias. Há algo de especial na forma como as pessoas costumavam aplacar as ausências no passado. Mas ainda hoje podemos compreender o amor através da saudade.
Algum tempo depois perguntei sobre quem foi Maria e João pras pessoas ali, disseram-me que ainda recentemente vivia na cidade, a Dona Maria, mas falecera há alguns dias. Eu também nunca mais vi a senhora com quem conversei, realmente me esforço para me lembrar de seu nome, mas simplesmente não o posso. Pergunto-me até hoje se não era ela o personagem da canção. Mas hoje tudo o que posso sentir são saudades de sua conversa e daquela cidadezinha e suas canções.
Ingrid Magalhães nasceu e cresceu no Rio de Janeiro. Aos 23 anos, formada em História pela UFRRJ, está em intercâmbio na Universidade de Coimbra, onde se dedica aos estudos filosóficos. Ela acredita no poder de transformação das palavras, da filosofia, da educação e das artes. Uma pessoa que crê que tem uma alma, mas que não tem um rumo certo. E que gosta mais das perguntas do que das respostas.
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A saudade é filha da esperança – esperança do reencontro. Só é saudoso aquele que crê na volta de quem partiu. Lindo texto!