No final do dia uma forte chuva incidiu sobre a cidade de São Paulo; o céu tornou-se acinzentado e triste, as ruas rapidamente começavam a alagar, e as pessoas acordavam do transe provocado pela monotonia da rotina trabalho-casa com medo de ficarem cada vez mais molhadas. Todos procuravam um lugar para se protegerem das pequenas gotas choradas pela imensidão fosca e turbulenta.
Foi tentando escapar das águas que Jorge Vieira passando em passos rápidos perto de um bueiro, pisou em uma barata. O ato teria sido ignorado se Jorge não tivesse ouvido o barulho seco provocado pelo estraçalhar do exoesqueleto do inseto. Ao levantar o pé, ficou perplexo: o animal já estava morto, coberto pela gosma visceral, que antes o mantinha vivo.
Mesmo ficando cada vez mais ensopado não deixou de pensar que matara um ser vivo, que esse tivera sua vida interrompida por um egoísta que temia apenas não ficar molhado. Ali, parado com o pé suspenso no ar e vendo as partes viscosas do bicho, muitas coisas irrompiam na sua mente. Achava irônico que a barata tivesse sucumbido sob a chuva de vida que caía sobre a inanimada cidade. Chegou até a lembrar de um livro que lera há muito tempo. Nele tinha a história de um homem que, em um belo dia se transformou em um inseto monstruoso, – Quem era mesmo o autor? – pensou. Não lembrava nem mesmo o nome da obra, quem dirá o autor.
Aquilo o inquietou. Ponderou na possibilidade de ele, Jorge Vieira, transmutar-se em uma barata no dia seguinte, como seria ruim aquela situação de ficar se alimentando de detritos imundos, rastejando e até perder o amor de sua família. Não, aquilo não iria acontecer, uma balela!
Baixou o pé. Suas roupas estavam grudadas ao corpo e a água ameaçava invadir a calçada a qualquer momento. Preocupado, não demorou a olhar em volta à procura de algum lugar que pudesse lhe abrigar até aquele temporal passar, viu um prédio antigo que possuía uma marquise e não tardou em apressar-se para chegar rápido. A construção tinha três andares e sofria com as intempéries do tempo e dos arruaceiros, já que a tinta estava desgastada e as vidraças das duas janelas estavam quebradas. Debaixo da marquise gotejante, Jorge ainda pensava no inseto. Pensou na efemeridade da vida, de como era curta. Para morrer bastava estar vivo – lembrou-se do velho ditado popular. Não deixou de estabelecer comparações entre ele e a barata, provavelmente, ela só estava tentando se proteger da chuva, assim como ele, e, para tentar amenizar sua culpa, julgou que o pobre animal morreu sem sentir dor, que não agonizou durante muito tempo.
Jorge estava abalado e não deixava, em nenhum momento, de pensar na barata que matou e que agora, seguramente, estava entre as águas poluídas que inundavam São Paulo. Minutos passaram, e de tão concentrado na morte da barata, não viu que a marquise que estava debaixo cedeu. Quilos e quilos de entulhos amassaram Jorge que morreu na hora. Seu último pensamento, na verdade, foi uma recordação, lembrou-se do autor do tal livro, Franz Kafka. Ironicamente, mesmo não tendo se transformado no inseto rastejante que matou, morreu como ele, sem sentir dor.
Antonio Anderson da Silva Beserra
é um aspirante a escritor cearense da cidade de Ipueiras. Formado em licenciatura em Letras com habilitação em Língua portuguesa, atua como professor Português, Redação e Arte da Rede Estadual no Ensino Médio no município de Nova Russas – CE.
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Muito bom seu texto caro colega professor, e escrevinhador, assim como eu. Um texto à altura de Kafka.
Anderson, querido, adoro sua forma de contar uma história. Que alegria continuar te lendo e saber que agora outras pessoas também poderão conhecer sua escrita. Um beijo de sua professora, agora amiga.
escrita impecável, professor👏
Anderson, meu querido professor de português. Quero dizer que amei sua obra, desejo imensamente que você consiga se tornar o melhor escritor cearense. Assinado: Brenda e lorrany do 1° ano D
Amei o texto, a escrita está ótima não esperava menos de meu queridíssimo professor Anderson ♥️