Sales Nègres – a influencia de Jacques Roumain 

“Sujos negros” poesia haitiana publicada no livro Bois d’ébène (1945) escrita pelo poeta comunista de grande relevância para a cultura do Haiti. 

Jacques Roumain, nascido em Porto Príncipe- Haiti em 4 de junho de 1907, era um jovem intelectual nacionalista, fundador do Partido Comunista do Haiti (PCH), morreu em 18 de agosto de 1944, aos 37 anos, vítima de cirrose e malária, tudo depois de conhecer a prisão, tortura e exílio.  Muito ativo na luta contra a ocupação estadunidense (1915–1934), Roumain fundou em 1927 A Revista Indigène com Émile Roumer, Philippe Thoby-Marcelin, Carl Brouard e Antonio Vieux, comprovando sua ligação com as letras vem de berço, pois, neto do presidente haitiano Tancredo Augusto, teve ótima instrução no Haiti estudando em seguida na Bélgica, na Suíça, França e Alemanha. 

Seu único livro que temos em português é Gouverneurs de la rosée (1944), trazido ao país por Jorge Amado como  Donos do orvalho, que recebeu em 2020 nova tradução ,e também renomeado como Senhores do Orvalho pela editora Carambaia. Uma boa descrição do poeta comunista pode ser encontrada em, no livro Haiti: dois séculos de história , escrito pelo historiador Everaldo de Oliveira Andrade encontramos: 

“Roumain buscou associar os interesses das massas haitianas aos do proletariado dos países metropolitanos, alinhando-se naquele momento às posições da União Soviética (URSS). (…) os problemas étnicos estavam ligados e eram vistos à luz do marxismo como questões que deveriam ser abordadas sob um viés classista. Roumain manteve uma leitura eclética e original do marxismo (…). O programa do partido [PCH], escrito por Roumain, chamado L’Analyse schématique 32–34, é a primeira crítica marxista da sociedade haitiana.” (ANDRADE, 2019, p. 161) 

Não à toa que o chamem de Mariategui haitiano. E para se ter dimensão do seu alcance em sua época podemos destacar, o que diz Inocência Mata no artigo publicado em Buala.org, sobre a influência que Roumain exerceu, por exemplo, em Franz Fanon, que retirou desta poesia que segue o titulo de seu livro “Os Condenados da Terra” (1961) e também da revista “Tam-tam” (1949) 

“Por isso, embora seja evidente a anterioridade da expressão «os condenados da terra» que compõe os primeiros versos de A Internacional («Debout, les damnés de la terre/ Debout, les forçats de la faim»), julgo mais verosímil que o título escolhido por Frantz Fanon (e não pelos editores, como nos seus outros livros) venha do sentido de um verso do poema «Sales nègres» do livro Bois d’ébène (1945), de Jacques Roumain (1907-1944), poeta haitiano e fundador do Partido Comunista haitiano que, juntamente com Nicolás Guillén, constitui uma das referências da ideologia estética do negrismo caribenho, uma das matrizes da négritude.”

A poesia que segue foi retirado das Obras Completas para a presente tradução. 

SUJOS NEGROS 

E bem, aí está: 
nós 
os negros 
os niggers 
os sujos negros 
não aceitamos mais 
é simples 
pronto 
ser na África 
na América 
seus negros 
seus niggers 
seus sujos negros 
não aceitamos mais 
isso vos assombra 
dizer: sim senhor 
limpando suas botas 
sim meu pai 
aos missionários brancos 
sim mestre 
colhendo para vocês 
a cana de açúcar 
o café 
o algodão 
o amendoim 
na África 
na América 
como bons negros 
como pobres negros 
como sujos negros 
que éramos 
que não seremos mais. 
Acabou vocês verão bem 
nossos sim Senhor 
sim branco 
sim Senhor 

cuidado, atirador, 
sim, meu Comandante, 
quando nos derem a ordem 
de metralhar nossos irmãos Árabes 
na Síria 
na Tunísia 
em Marrocos 
e nossos camaradas brancos grevistas 
morrendo de fome 
oprimidos 
espoliados 
desprezados como nós 
os negros 
os niggers 
os sujos negros 

Surpresa 
quando a orquestra de suas boates 
de rumba e blues 
toque algo completamente diferente 
que não esperava a prostituta cansada 
e seus gigolôs e vadias adiamantadas 
para quem um negro 
é só um instrumento 
para cantar, 
num é, 
para dançar, of course 
a fornicar naturalmente 
nada além de uma mercadoria 
que se compra e se vende 
no mercado do prazer 
nada além de um negro 
um nigger 
um sujo negro 

Surpresa 
jesusmariajosé 
surpresa 
quando nós pegarmos 
rindo terrivelmente 
o missionário pela barba 
para ensiná-lo a nossa vez 
com chutes no cu 
que nossos ancestrais 
não são gauleses 
que nós pouco nos fodemos 
para um Deus que 
se é o Pai 
então é como nós 
os negros 
os niggers 
os sujos negros 
temos de crer que somos nada além de seus bastardos 
e é inútil se esgoelar 
jesusmariajosé 
como uma velha transbordando de mentiras 
é necessário 
que te ensinemos 
o que custa em definitivo 
de nos pregar à golpes de chicote e confissões 
a humildade 
a resignação 
à nossa maldita sorte 
de negros 
de niggers 
de sujos negros 
As maquinas de escrever mastigarão as ordem de repressão 
estalando os dentes 
fuzilem 
pendurem 
degolem 
esses negros 
esses niggers 
esses sujos negros 

Colados como moscas enlouquecidas na carne 
na teia de aranha dos gráficos dos preços das ações em colapso 
os gordos acionistas das mineradoras e companhias florestais 
os proprietários de destilarias de rum e plantações 
os proprietários 
de negros 
de niggers 
de sujos negros 
e o telégrafo delirará 
em nome da civilização 
em nome da religião 
em nome da latinidade 
em nome de Deus 
em nome da Trindade 
das tropas 
dos aviões 
dos tanques 
do gás 
contra esses negros 
esses niggers 
esses sujos negros 

Tarde demais 
até ao coração das selvas infernais 
soará precipitado a terrível gagueira 
telegráfico de tambores repetindo incansáveis 
repetindo 
que os negros 
não aceitam mais 

não aceitam mais 
ser seus negros 
seus sujos negros 
tarde demais 
porque surgiremos 
das cavernas de ladrões de minas de ouro do Congo 
e da África do Sul 
tarde demais, será tarde demais 
para impedir nas algodoeiras de Luisiana 
nas Centrais açucareiras das Antilhas 
a colheita da vingança 
dos negros 
dos niggers 
dos sujos negros 
será tarde demais eu lhes digo 
porque até os tambores aprenderão a linguagem 
d’A Internacional 
porque nos escolheremos nosso dia 
o dia dos sujos negros 
dos sujos indianos 
dos sujos hindus 
dos sujos indochineses 
dos sujos árabes 
dos sujos malaios 
dos sujos proletários 
dos sujos judeus 

E estamos aqui de pé 
todos os condenados da terra 
todos os justiceiros 
marchando ao assalto de seus quartéis 
e de seus bancos 
como uma floresta de tochas fúnebres 
por fim 
de 
uma 
vez 
por 
todas 
com esse mundo 
de negros 
de niggers 
de sujos negros. 

(Bois d’ébène

*Referências: 

  • ROUMAIN, Jacques. Œuvres complètes, Paris: Agence Universitaire de la Francophonie, 2003. 
  • ANDRADE, Everaldo de Oliveira. Haiti: dois séculos de história.São Paulo: Alameda Casa Editorial , 2019. 

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Leonardo Ladeira ,  é estudante de Bacharelado Interdisciplinar de Ciências Humanas na UFJF – Universidade Federal de Juiz de Fora e apaixonado e curioso pelas literaturas.


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2 Comentários

  1. 👏👏👏👏👏👏 muito bom!!!

  2. Parabéns pelo texto!

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