Primeiro dia de aula 

O sol batia forte na casa de Laura quando sua mãe, Maria Clara, a chamou para almoçar. A garotinha tinha seis anos e esse era o seu primeiro dia de aula, o primeiro passo da longa jornada que é a vida de estudos. Se lhe perguntassem o que queria fazer quando fosse grande, Laura certamente não saberia responder bem, mas é claro, como a grande maioria, os pais responderiam pelos filhos, e Laura iria estudar bastante, se formar na faculdade, fazer mestrado, doutorado, pós-doutorado e qualquer outra coisa que lhe desse um diploma a mais. Laura, como se pode imaginar, era uma criança encantadora e qualquer leitor iria adorar conhecê-la, entretanto não é ela o foco desta história. É sobre Marcos, o pai de Laura, que neste momento está sentado ao lado da filha enquanto almoça, que iremos falar. 

Marcos era carpinteiro, e sua simplicidade poderia ser notada tanto em sua aparência e modo de vestir quanto em seus hábitos. Não tinha grandes aspirações na vida, só um pouco de arrependimento de não ter continuado os estudos e, por esse motivo, viver só para pagar as contas. Pode-se dizer que estava mais ansioso pelo primeiro dia de aula da filha do que a própria. Desde aquela manhã lembranças e aspirações passavam por sua cabeça, na verdade, poderíamos até dizer que desde a noite anterior se levarmos em conta que ele sonhou com o assunto. Às vezes ele imaginava que a filha seria uma grande advogada, ou médica, talvez professora ou arquiteta. Momentos depois, estremecia, pois lembrava de seu curto tempo na escola, da sua juventude, dos sentimentos que teve durante aquele tempo e logo temia que a filha sofresse o mesmo e que não estivesse lá para apoiá-la caso fosse preciso. 

Enquanto comia, Laurinha parecia animada, curiosa, cheia de vontade de conhecer essa tal de escola que tanto lhe falavam. Marcos, por outro lado, sentia-se em um turbilhão de emoções. Ao olhar para filha era como se olhasse para dentro de um espelho mágico que lhe mostrava lembranças, alegrias e medos, tudo misturado, ele chegou a ficar tonto e perdido em seus pensamentos. A menina que ele segurou no colo pela primeira vez por volta de seis anos atrás havia crescido tanto, e ele nem tinha se dado conta. Era como se tivesse passado todos esses anos dormindo e só agora percebesse seu sono. Marcos chegou a hesitar, pensou em deixar a menina faltar a escola. A aula duraria somente o período da tarde, tempo inclusive que ele estaria trabalhando, então por que tanto medo de perdê-la? Ele mesmo percebia sua própria infantilidade diante da questão, porém seu coração continuava a pesar-lhe o peito. 

São nesses momentos da vida, que o tempo parece passar mais rápido que um relâmpago que brilha e logo some nos ares. Antes de se perceber, a criança já estava atrasada para a aula. Maria Clara já estava estressada, enquanto tentava arrumar o cabelo para levar a filha para a escola, ela berrava para que a menina fosse escovar os dentes. Marcos disse que não precisava se preocupar e que ele mesmo levaria a filha, – No meu primeiro dia de aula foi meu falecido pai que me levou para a escola, e eu vou fazer o mesmo -, diante dessa afirmação, Maria não teve argumentos. Maria Clara estranhou, não sabia dessa história, mas não quis retrucar, ela sabia que o assunto do falecido pai ainda era sensível para o marido. Na verdade nem o Marcos se lembrava da história ou sabia que ia falar isso, pelo menos até aquele momento. Resgatar aquela lembrança foi como achar um dinheiro que você nem se lembrava da existência no fundo do bolso de uma calça. 

Enquanto escovava os dentes, pela primeira vez, Marcos reparou que seu cabelo estava salpicado de fios brancos. Isso só serviu para torná-lo ainda mais emotivo naquele dia. Ele não pôde demorar muito em seus devaneios em frente ao espelho, pois o relógio não tira folga, e já deviam ter saído de casa há cerca de cinco minutos. A escola era perto, no entanto a caminhada foi longa para Marcos, pois a filha enchia-o de perguntas sobre a escola e ele respondia com carinho, mesmo não tendo certeza da resposta de muitas delas. Ao mesmo tempo, sua mente inundava de lembranças, ele próprio havia sido uma criança tal qual a filha, e igualmente a ela, de mãos dadas, foi levado à escola pelo pai. Às vezes, seus olhos ficavam úmidos e ele sentia que não conseguiria segurar as lágrimas, mas ao contemplar a alegria e inocência da filha ele encontrava forças para prosseguir. 

Enfim em frente a escola houve a inevitável despedida. Depois de várias promessas de reencontro e ordens de comportamento por parte do pai, Laurinha entrou na escola. Do portão Marcos não podia passar, suas pernas estremeceram ao soltar as mãos da filha e deixá-la ir sozinha para dentro. Após um último aceno, ele suspirou, virou as costas e deu alguns passos. Esses passos foram interrompidos por uma última olhada para trás. Ele se convenceu que aquela última olhada era apenas para conferir se ela tinha ido mesmo, vai que ela tivesse ficado com medo de ficar sozinha e voltasse correndo para ele, mas ao mesmo tempo, ele sabia que quem estava com mais medo era ele. Na verdade, ele queria que ela voltasse correndo e que pudesse levá-la de volta para casa em seus braços. Depois de mais um suspiro, ele se perguntou se seu pai havia feito o mesmo que ele, então se sentiu bobo, era só o primeiro dia de aula na escola e ele tinha suas próprias obrigações para cumprir. Antes de voltar para sua carpintaria precisou passar em casa para pegar algumas ferramentas. É claro que todo seu estado emotivo não havia passado despercebido ao olhar de sua esposa. Foi com um “cê é besta, é só o primeiro dia de aula, já, já ela vai tá em casa aprontando de novo” que ele foi recebido. 


João Pedro da Silva Gomes

é natural de Viçosa, cidade do interior de Minas Gerais. Atualmente tem 22 anos e cursa bacharelado em Letras na Universidade Federal de Viçosa (UFV). 

Instagram: @joaopgomes480 


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Um comentário

  1. Que texto maravilhoso! Viajei no tempo lembrando do meu primeiro dia de aula e depois do primeiro dia de aula de cada um dos meus três filhos. Texto que termina deixando um gostinho de “quero mais”!

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