Antes mesmo de o sol nascer, ela já estava acordada, caminhava em direção ao pasto pacientemente, amava esse momento de calmaria, e as novas oportunidades que um dia oferece, Amber tinha um bom pressentimento. Um fato interessante: naquela região não havia muitos outros animais, apenas um gato malhado, ainda filhote, que se encontrava de vez em quando. O local também era muito afastado de criações de gado e abatedouros, o que tranquilizava Amber. Ela não tinha nenhum cuidador, vivia por conta própria.
Sua rotina era sempre a mesma, despertava com feixes de luz vindos da janela, na cabana de maneira abandonada – que apesar de ser velha, era aconchegante, confortável e quentinho – se hidratava, caminhava pelo campo, brincava na grama, e então se banhava na lagoa. Apesar de simples, todo esse ritual era muito importante para ela, lhe trazia paz.
Em um bosque próximo, que passava recorrentemente para colher frutas do chão, havia aves rodeando um único ponto, era carniça de um cão. Atrás de uma árvore se ouvia choramingar de um filhote, estava sozinho. Por compaixão, nada muito além disso, levou o pobre coitado para seu abrigo. Naquela noite, voltou para casa com um novo companheiro.
Ao amanhecer, o cão acordou primeiro, confuso e assustado, não sabia onde estava, a última coisa de que lembrava-se foi dos gritos de dor e sofrimento vindos de sua mãe, antes de sua morte. Estava se sentindo abatido e sem rumo, por outro lado, também era um alívio, estava livre de sua antiga vida, que o tanto afligia. No momento em que Amber acordou, não disse uma só palavra, apenas saiu e acenou para que o cão a acompanhasse, e assim ele fez.
Durante o desjejum de frutas silvestres vermelhas, que foram colhidas no dia anterior, Amber leva consigo o seu novo amigo, já que a partir de agora, ela teria certa responsabilidade pelo pequeno, por tê-lo resgatado. Os dois se encontravam numa clareira, sentados na grama molhada após a tempestade que veio pela madrugada. O sol estava radiante, e o clima era fresco, era decerto, um ambiente reconfortante. Numa tentativa de quebrar o gelo, o cão mencionou:
– O seu pelo é muito bonito.
– Eu agradeço.
– Você parece solitária, não se sente triste, morando sozinha?
– Não, minha companhia basta.
– Ainda não sei seu nome.
– Me chame de Amber.
– É um enorme prazer conhecê-lá, Amber.
– E você, como devo chamá-lo?
– Eu não tenho nome.
– Bom, Sol combina com você, o que acha?
– Eu gosto.
Esse era um bom começo de uma amizade.
Com o passar de algumas semanas, Amber e Sol foram se aproximando, tinham a confiança um do outro.
– Venha – chamou Amber. – Vamos colher algumas tulipas, tem algo que quero lhe mostrar.
Sol a acompanhou até um lindo canteiro, cheio de diversas flores, mas as principais sendo tulipas, vermelhas, brancas e rosas.
– Nunca te contei, mas minha mãe, era uma vaca-leiteira, viveu assim desde o seu nascimento, até o último suspiro. E o mesmo destino cabia para minha avó, tataravó, e por assim se seguia… elas viviam uma vida dura. Não moravam em fazendas, ou coisa parecida, eram milhões, em galpões, amontoadas. Mas, felizmente, minha mãe estava determinada a encerrar com esse ciclo. Certa noite, causou um enorme tumulto e na tentativa de fugir comigo, foi assassinada brutalmente. Eu fui deixada por esses arredores, e segui com minha vida.
– Você não tem medo? Você escapou por um fio, poderia ter tido o mesmo destino dela. – Não, não tenho, estou segura aqui. Eu preciso viver minha vida plenamente e da melhor forma possível, para honrar todo o sacrifício das que vieram antes de mim. Amber colheu um punhado de tulipas, e pediu que Sol a ajudasse, levou até sua cabana, e foi prendendo uma por uma ao redor da estrutura, e as que restaram, espalhou delicadamente pelo chão da entrada.
– Eu me lembro, de que, toda primavera, uma pequena flor de tulipa, nascia em frente do setor onde minha mãe se deitava, para ela, uma vida tão delicada e bonita, florescer no meio de tanta tristeza e má sorte, podia significar esperança. Então, desde que aprendi a viver com as próprias pernas, eu faço essa homenagem para ela, junto com a chegada da estação.
– É admirável, tenho certeza que ela amaria – disse Sol. – Obrigada Amber. – – Pelo quê?
– Por tudo. Você me resgatou, e cuidou de mim com tanto amor e paciência, eu não teria conseguido sobreviver sozinho. Eu fiquei tão mal depois da morte da minha mãe, foi tão assustador. Mas você ficou comigo, esteve ao meu lado, faz pouco tempo que nos conhecemos, mas sou extremamente grato.
Amber não disse nada, apenas abaixou a cabeça, e deu uma lambida no topo da cabeça de Sol, seguida por uma risada sincera.
– Vamos dormir, hoje foi um dia longo.
Com a chegada da madrugada, o vento soprava forte e um rangido foi ouvido vindo da porta, o clima mudou. Amber abriu os olhos, apreensiva, olhou ao redor, não tinha ninguém. Sol havia desaparecido. De repente, se sentiu desorientada, desmaiou.
Ao acordar, sentia fortes dores de cabeça, não sabia onde estava, ouvia berros desesperados de outras vacas. Olhando ao redor, viu que estava em uma espécie de laboratório, se via estantes de maquiagem, viu Sol, ele estava desacordado e com diversas irritações vermelhas pelo corpo, mostrando carne viva, e um olho inchado. O cão estava dentro de uma jaula, em cima de uma mesa. Amber correu em direção a ele com desespero e o chamou:
– Sol! Sol! Acorde.
Abrindo apenas um olho, respondeu:
– Me perdoa Amber, me perdoa, por tudo. Não era para você estar aqui.
– Não estou entendendo…
– Eu era cobaia, minha mãe era cobaia, foi assim que ela morreu, eu fui ameaçado, tive que ganhar a sua confiança para eles te pegarem. Por favor, me perdoe, não tive escolha
. – Como… não é possível.
Passos foram ouvidos, alguém se aproximava. Toda sua vida foi passada diante de seus olhos, não podia acreditar no que estava acontecendo. Por um momento, se recordou que Sol nunca havia lhe dado muitos detalhes de quem assassinou sua mãe, ou de como era sua antiga vida, ela estranhava, mas não insistia no assunto, por não querer tocar na ferida, ou invadir sua privacidade. Todo esse tempo, foi apenas uma contagem regressiva do que estava por vir, todo o sacrifício de sua mãe seria em vão, esse era o fim.
– Sol, escute bem o que vou lhe dizer. Nada disso é culpa sua, você não tem nada a ver com isso, sua mãe, a minha, nenhum de nós mereceu ser subordinado a essas condições, e você não vai, não mais uma vez. Agora, faça exatamente o que eu dizer.
Tamanho era o medo nos olhos do cão, que só conseguia ficar calado e ouvir atentamente.
– Acima de nós tem um duto de saída, você é pequeno o bastante para passar pelo espaço, irei te ajudar a subir e você vai sair daqui imediatamente. Quando já estiver livre, me dê um sinal, eu irei dar um jeito de escapar.
Sol então segue à risca todo o plano de Amber, ele estava receoso e assustado, não queria deixá-lá, mas confiava que ela sabia o que estava fazendo, por isso não hesitou em nenhum momento. Quando entrou no duto, antes de ir embora, Sol disse tristonho e frustrado:
– Queria que tivesse sido diferente.
Já conseguindo sentir o ar puro, quase chegando ao fim do tubo, Sol então escutou um alarme tocar. Um incêndio, que rapidamente se espalhou e a fumaça chegou até o cão. Preocupado e notando a situação crítica, se arrastou o máximo que conseguiu, mas o cheiro era forte, e sua respiração começou a falhar. Nesse ponto, não conseguia mais se mover. Sufocou dentro daquele pequeno duto, no local onde sua vida começou, e que também, chegou ao seu fim.
E então, uma grande explosão ocorreu, que podia ser escutada a quilômetros de distância, o lugar foi tomado por chamas e destroços. Amber foi queimada viva. No fim de tudo, podia-se observar uma tulipa, caindo do céu, com cores vivas, em toda sua glória, uma esperança ainda permanece.
Taís Vieira Leal nasceu em 2006, na cidade Belo Horizonte, e atualmente mora em Juiz de Fora. Gosta de passar seu tempo livre escrevendo em seu diário, lendo livros dramáticos e românticos. Se interessa por filosofia e escreve poesias, é vegana e defende pelos direitos dos animais.
Com o intuito de causar impacto e reflexão, Taís escreve pela primeira vez um conto ambientado num cenário fofo e meigo, com personagens animalescos, mas que traz um final trágico e dramático.
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